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Marta Suplicy – a força e a resiliência refletidas em sua vida

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Psicóloga pela PUC, com pós-graduação em Stanford e mestrado na Universidade Estadual de Michigan. Psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise, com clínica privada por mais de uma década. Autora de nove livros. Esta seria a descrição de uma profissional exemplar e de sucesso em sua carreira. Porém, Marta Suplicy ultrapassou os limites e fez história. No programa TV Mulher, foi pioneira na pauta de sexualidade na tv brasileira, destacando-se na luta pelos direitos das mulheres, minorias e Direitos Humanos. Foi colunista das revistas Vogue e Cláudia, e desde a década de 1980 escreve artigos para a Folha de S.Paulo. Sempre reconheceu sua missão de vida, e iniciar a carreira política foi o caminho para ampliar não apenas horizontes, mas sua atuação. Foi deputada federal, prefeita da cidade de São Paulo, ministra do Turismo, ministra da Cultura, primeira mulher senadora da República eleita pelo Estado de São Paulo e primeira mulher vice-presidente do Senado. Marta é referência não apenas do feminismo brasileiro, mas da força na luta por ideais, por uma sociedade justa e igualitária, onde o respeito é a base da evolução. Na Câmara e no Senado Federal, foi autora de importantes projetos que dizem respeito à diversidade e direitos humanos. Propôs e relatou vários outros que promoveram, incentivaram e possibilitaram a participação das mulheres na política. Foi também relatora dos projetos da renegociação da dívida de estados e municípios, do Refis, do SIMPLES Nacional, da lei que regulamenta os salões de beleza, entre outros. Em toda sua trajetória no legislativo, trabalhou pela igualdade de gênero na política. Autora da lei que obrigou, pela primeira vez na história do país, a legislação eleitoral a estabelecer cotas mínimas de participação de mulheres candidatas em eleições proporcionais, que revolucionou o sistema político brasileiro. Com grande capacidade de resiliência, nunca se deixou abater pelas adversidades. Trocou de partido político e assumiu riscos sempre que foi colocada à prova. À frente da Prefeitura Municipal de São Paulo (2001-2004), inovou a educação com a criação e a construção dos CEUs (mais de 20 Centros de Educação Unificados), o “Programa Vai e Volta”, o “Uniformes para todos”, materiais escolares e merendas de qualidade para mais de 1 milhão de alunos. No transporte público, criou e instituiu o Bilhete Único, construiu mais de 71 quilômetros de corredores de ônibus, bem como 10 grandes terminais. Em julho de 2001, início de sua gestão, criou a Secretaria Municipal de Relações Internacionais para promover, dar visibilidade à cidade e desempenhar um papel ativo nas redes de cidades, com projetos relevantes executados em parceira e encaminhados para organizações multilaterais (BIRD, BID, FAO, OIT, UNESCO, OMS, Habitat). Paralelamente, durante seu mandato também foi eleita a primeira presidente da maior organização mundial de cidades, denominada Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU), a ‘ONU das Cidades’, que reunia, já na época, mais de 1,5 mil municípios de 126 países. Marta apoia e é articuladora da “Frente Ampla e Democrática” por entender que é o melhor caminho para a transformação social, econômica e política do Brasil. Em 1º de janeiro de 2021, assumiu a Secretaria Municipal de Relações Internacionais da cidade de São Paulo. Reuniu mais vitórias do que derrotas. Sempre esteve em destaque no cenário político nacional e internacional. Dona de um discurso articulado e opiniões fortes, segue à frente de seu tempo como protagonista de ações efetivas na mudança da sociedade. A The Winners apresenta um pouco mais da opinião e história deste símbolo nacional: Marta Suplicy.

Presidindo sessão da CAS – Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federa

The Winners – A senhora era uma profissional de destaque como psicóloga, ganhou fama internacional com seus estudos e livros, fez história no programa TV Mulher, sendo pioneira na pauta de sexualidade na tv brasileira, destacando-se na luta pelos direitos das mulheres, minorias e Direitos Humanos. Em que momento achou que deveria ir para a política?

Marta Suplicy – Percebi que deveria ingressar numa carreira política quando, apesar de tanto ter feito, notei que são as leis que têm o poder de contribuir com as mudanças nas áreas às quais me empenho. O Congresso Nacional foi uma caixa de ressonância e resultados muito maior do que eu imaginava. Aprovamos a lei das cotas para as mulheres e a discussão, em importante comissão especial, sobre o casamento gay. Foi um palco e o farol que levou o tema dos direitos à cidadania dos homossexuais à sala de jantar das famílias, talkshows e novelas. O impacto transformador foi maior do que qualquer outra ação que eu pudesse ter tido.

 

TW – Seus ideais mudaram ao longo dos anos conforme foi conhecendo mais sobre política? O que muda quando se está inserido no sistema político?

MS – Meus valores e ideais não mudaram. Tive decepções, enfrentei inúmeras dificuldades, mas as alegrias de se sentir um agente transformador do seu tempo foram maiores. Com a maturidade aprendi que na política não existe preto ou branco, nem nunca, nem gratidão. Existe expectativa de poder. Aprendi também que o sectarismo não leva a canto algum, a não ser ao isolamento, engolem-se sapos, mas isso não dá dor de barriga se souber que faz parte do jogo. É importante ter clareza aonde você se propõe a chegar. Não em termos de cargos, mas estar em situação de poder e agir para melhorar a condição dos excluídos, sejam eles os pobres, os LGBTQIA+, os negros, as mulheres. Este farol resume minhas ações na vida pública.

 

TW – Como sua experiência na área humana contribuiu na carreira política?

MS – Atrapalhou e ajudou. Quando você é psicóloga e tem formação psicanalítica, torna-se impossível não avaliar qualquer situação pelo ângulo do olhar treinado para o movimento psíquico. Este treino, quase automático, ajuda a ter empatia, o que é bom, para entender a pessoa e suas motivações. Na política, muitas vezes a compreensão demasiada não ajuda a tomar decisões políticas difíceis e que podem magoar. Ao mesmo tempo, permite captar rapidamente a encalacrada que nós entramos quando o Brasil elegeu um presidente com grave comprometimento emocional. Esta capacidade ajuda a entender alguns comportamentos das pessoas e por que elas não conseguirão mudar.

 

TW – O Brasil ainda tem um longo caminho na defesa às minorias, incluindo as mulheres. A senhora defendeu este tema em toda sua carreira. Em que momento acha que o país se encontra e o que falta para chegarmos ao status adequado no tema?

MS – Estamos um pouco mais do que na metade do caminho. O bom é que não tem volta, e está indo mais rápido nas últimas décadas do que a soma dos avanços do século passado. 

Em discurso na tribuna do Plenário do Senado Federal

Ministra da Cultura participando da recepção do Papa Francisco, em sua visita no Brasil em julho/2013

TW – Mesmo depois de tantos exemplos, o número de mulheres na política é pequeno. Como a senhora acredita que esta realidade possa ser modificada?

MS – Sinceramente, não sei. Não tenho mais tantas certezas. Vamos ter que repensar as cotas. Elas fizeram diferença com a lei que obrigou os partidos a darem o recurso para as candidatas, mas não creio que deveremos depender somente deste caminho. A sociedade e seus preconceitos em relação ao status e às funções esperadas das mulheres têm que ser trabalhados culturalmente. Esta transformação poderá vir por meio da escola, assim como a questão de gênero, tão combatida pelos conservadores e que não tem nada a ver com sexualidade, e sim com o dito papel feminino. Como já dizia Simone de Beauvoir: “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. Esta discussão, travada no âmbito escolar, pode influir drasticamente na compreensão de novos papéis para o sexo feminino, além de diminuir a violência contra mulheres.

 

TW – A senhora chegou a ser criticada por votar a favor do impeachment de outra mulher, a presidente Dilma Rousseff. Mas, também, sempre defendeu seus princípios e ponto de vista. Como é atuar em um cenário tão machista, autoritário e onde tudo se torna polêmica?

MS – É difícil, pois quanto mais polarizada a discussão, menos chance de escuta e aprendizagem. Nos meus últimos anos no Senado o plenário virou um inferno. Foram-se as discussões de ideias, o convencimento através do conhecimento, imperando as discussões agressivas e sem conteúdo. O plenário tornou-se um ambiente desanimador. As últimas situações de assédio de desqualificação sofrido por mulheres parlamentares vão tornar mais difícil este tipo de recorrência. A tolerância ao machismo está diminuindo, e a nova geração está muito mais atenta e não perdoa.

Ministra da Cultura em missão no Festival de Cultura, em Bogotá

TW – Em 2018, a senhora anunciou sua saída da vida política. O que mudou?

MS – Mudou a minha percepção sobre o desequilíbrio do presidente. Tal governante não deveria se fortalecer para uma outra gestão. Como paulistana, com representatividade política, não poderia deixar de me engajar na disputa municipal. Não como candidata, mas aproveitando estar sem partido e não cobiçar qualquer cargo, me engajei numa articulação para formar uma Frente Ampla. As circunstâncias caminharam para meu apoio à reeleição do prefeito Bruno Covas, o que foi a concretização, ainda que simbólica, da ideia de uma Frente Ampla ser possível. Posteriormente, ele me convidou para o cargo de secretária municipal de Relações Internacionais. Resolvi reavaliar esta volta à política, pois o cargo estava numa medida em que senti que poderia colaborar positivamente para a cidade e atuar na ideia da construção da Frente Ampla. Não me arrependi. Agora, por indicação do prefeito de São Paulo, Bruno Covas, acumulei a secretaria internacional do Consórcio Conectar, que agrega uma frente de 1980 municípios e 22 capitais (150 milhões de pessoas), cuja função é buscar, comprar vacinas e insumos no mundo para os municípios.

 

TW – A senhora se filiou ao PT em 1981, e em 1994 começava sua carreira política como deputada federal. Acumulou uma carreira sólida ocupando os cargos de prefeita da cidade de São Paulo, ministra do Turismo, ministra da Cultura, senadora e a primeira mulher eleita para o Senado Federal pelo estado de São Paulo. Cada cargo foi uma vitória e representa momentos diferentes do país. Consegue apontar um momento especial em cada uma das funções? Algo que considera o diferencial em sua carreira?

MS – Como deputada, a aprovação da lei das cotas e a discussão no parlamento sobre espaços da mulher. A citada anteriormente “parceria civil do mesmo sexo”, que colocou a questão de cidadania para homossexuais na pauta do país. Os projetos em relação ao direito ao aborto que impulsionaram as posturas do STF, ampliando o direito ao aborto do feto anencefálico. Como prefeita, foi a criação dos CEUs (Centros Educacionais Unificados), verdadeiras janelas de oportunidade para crianças da periferia. Uma batalha criticada à época e depois ampliada pelos prefeitos que me sucederam e em outras cidades também. A criação do Bilhete Único foi uma luta dificílima e perigosa, até fisicamente. Tive medo, mas fui em frente. Não esqueço quando o secretário de transporte sugeriu que seria melhor deixar para um próximo mandato: “Nós não viemos a passeio. Não cederemos, e que façam a greve.” Como ministra do Turismo, foi a aprovação do PRODETUR e a viabilização de um empréstimo do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) de um bilhão de dólares em infraestrutura e que teve grande impacto no saneamento básico do Nordeste. Fiquei feliz também por criar o programa “Viaja Mais Melhor Idade”, destinado aos aposentados. No Ministério da Cultura, lembro que um dos primeiros editais que apresentamos foi de 10 milhões de reais em infraestrutura para a cultura negra. Gostei de entender a importância do soft power e como consegui utilizar bem a ferramenta. A exposição de “Guerra e Paz”, de Portinari, no Grand Palais, foi um êxito inesquecível. No Senado, ter sido eleita a primeira mulher vice-presidente foi uma experiência especial, principalmente o aprendizado com o presidente Sarney. Ficamos amigos queridos até hoje. Fui presidente da Comissão de Assuntos Sociais, onde pude fazer muita coisa boa para as mulheres. Na atual Secretaria Municipal de Relações Internacionais trabalho para um maior protagonismo do prefeito Bruno Covas no plano internacional, buscando os recursos para o meio ambiente e saneamento básico, assim como o foco no combate ao racismo estrutural. Lendo esta minha trajetória política, ficam bem nítidas quais foram minhas prioridades e alegrias.

 

TW – Como funciona seu apoio à “Frente Ampla e Democrática”? Como o trabalho da frente deve colaborar no desenvolvimento do país?

MS – O Brasil, pela sua estrutura política, necessita de um governo de Frente Ampla, com políticos (as) que sejam intransigentes na defesa da democracia, na busca da melhoria social e oportunidades para todos, juntamente com proteção e apoio à cultura, que é nossa riqueza e identidade. Não teremos convergências em muitas ideias, mas se tivermos, creio que seremos um país melhor.

Como Senadora da República por São Paulo) em visita numa unidade do CEU Parelheiros – Centro Educacional Unificado, construído em sua gestão

Ministra da Cultura em missão na Itália

TW – Nas eleições de 2018, seu nome foi cotado como vice para compor a chapa de Henrique Meirelles à presidência da República. O que de fato ocorreu? A senhora esperava ser a titular? É seu sonho concorrer a este cargo?

MS – Não está no meu radar concorrer a novas eleições. Quanto ao convite do Meirelles à vice-presidência, foi uma sondagem do PMDB, pela qual não tive interesse.

 

TW – Hoje a senhora ocupa um lugar de destaque na administração Bruno Covas como Secretária Municipal de Relações Internacionais da cidade de São Paulo, uma posição importante na maior cidade do país. Como sua experiência contribui para o município? É possível adaptar ideias e ações amplas?

MS – A bagagem e experiência em funções distintas sempre fazem a diferença. Nessa nova posição abre-se um espaço muito grande para utilizar o que aprendi na minha trajetória política. Estamos criando, na Secretaria Municipal de Relações Internacionais, um forte caldo na área de combate ao racismo para a realização de um Congresso Internacional da Consciência Negra, em novembro de 2021, assim como preparando avanços na questão do meio ambiente para empréstimo no BID e outros organismos internacionais para projetos que levarão a cidade de São Paulo a ter uma boa performance na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26), em Glasgow.

 

TW – Na sua atual posição, o que pode ser feito para colaborar no controle da pandemia da Covid-19 na cidade de São Paulo?

MS – O que está sendo feito. Haja vista que se governa com o imprevisível, com o desconhecido, com limite de recursos e com um presidente negacionista que não cessa de dar maus exemplos e criar tensões desnecessárias em vez de unir esforços.

 

TW – Olhando o conjunto de sua obra, qual seu maior legado para o país?

MS – Em todos os cargos públicos que ocupei, com certeza meu maior legado foi colocar os excluídos de fala e os destituídos como prioridade. Minha preocupação sempre foi a mesma desde criança, quando não entendia por que existia tanta desigualdade e pobreza. Sempre busquei agir para diminuir este fosso vergonhoso da desigualdade no país.

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