Francisco Raymundo – um defensor da democracia
Empresário, oficial do 9º Registro de Imóveis da capital de São Paulo, foi eleito presidente da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (ARISP), exercendo o cargo de novembro de 2015 a dezembro de 2018. Sempre defendeu que o desenvolvimento e o crescimento vêm do trabalho e do envolvimento de todos. Para ele, a educação é base da sociedade, e a democracia é o sustentáculo da economia e de um país com cidadãos livres. Suas ações sempre foram pautadas nas parcerias, no compartilhamento e na transparência de ideias. E assim tocou seus negócios e a presidência da entidade. Em entrevista para The Winners Golden Pages, ele fala sobre como vê o Brasil e o que se pode esperar no futuro.
The Winners – O senhor já esteve à frente da ARISP em um momento importante da entidade. Como foi essa experiência?
Francisco Raymundo – O Sistema ou Estrutura ARISP congrega 316 Oficiais de Registro de Imóveis do Estado de São Paulo ao mesmo tempo que disponibiliza acesso para outros 10 Estados da Federação, permitindo a utilização das plataformas e ferramentas eletrônicas para mais de 1.800 Cartórios de Registro de Imóveis do Brasil, de um total de 3.540 Cartórios estabelecidos em território nacional. A Estrutura ARISP é composta de diversos departamentos, com gestão e atuação específicas que interagem diretamente com os Oficiais de Registro e Magistrados, além de agentes do Poder Judiciário e do Poder Público. Os principais departamentos e/ou atividades são a Representação Institucional, Tecnologia de Informática, Comunicação, Educação e Treinamento (Universidade Registral) e Serviços Jurídicos, Defesa de Prerrogativas, Normas Técnicas e Enunciados. Adicionalmente, a Estrutura da ARISP disponibiliza serviços de expedição de certidões, certificados digitais, selo digital, compartilhamento de infraestrutura de TIC e data centers, entre outros serviços de interesse do sistema extrajudicial. É um trabalho intenso e de muita responsabilidade. Todo o tempo que estive na entidade, assim como todos que lá estão, prezam pelo desenvolvimento tecnológico com o estrito atendimento das regras legais e dos que sitos técnicos, garantindo os melhores padrões e boas práticas para nosso ambiente de negócios. É importante entender que o mundo evolui e os sistemas de comunicação devem ser interligados e ágeis, além de garantir segurança aos cidadãos. Cada entidade, órgão e empresa tem seu papel no desenvolvimento do país e precisa exercê-lo de força clara e comprometida com o resultado.
TW – How do you assess the current situation of the real estate sector in Brazil?
FR – O setor imobiliário representa uma dimensão importantíssima da economia nacional, com grande capa cidade de geração de emprego formal e renda. De acordo com dados do IBGE de 2010, cerca de 85% dos brasileiros vivem nas cidades. Essa pujança, todavia, contrasta com um dado preocupante: sabemos que parte expressiva dessas moradias têm irregularidades dominiais. Há também o crescimento desordenado das cidades, que demanda atenção especial à dimensão do planejamento urbano. Então, há dois desafios em curso: o primeiro refere-se à regularização fundiária, que, além de assegurar o direito à moradia adequada, permite que parte expressiva da cidade ilegal seja integrada à cidade legal, garantindo maior valor de mercado; já o segundo desafio diz respeito ao aperfeiçoamento dos instrumentos da política urbana, porque disso depende a sustentabilidade de nossas cidades. O registro de imóveis está atento a esse movimento e disposto a colaborar com ambas as interfaces. Esse é um desafio paulista e nacional. Neste ponto, é necessária uma ação conjunta de políticas públicas que integrem o setor público e privado. Mesmo em meio à crise da covid-19, a construção civil não parou de crescer. Isso mostrar que existe demanda por moradia em todos os níveis sociais e por espaço para investimento interno e externo.
TW – O senhor fala de desenvolvimento do Brasil com muita propriedade. Na história de sua família, seu pai conviveu de perto com Getúlio Vargas, sendo seu alfaiate pessoal, algo extremamente valorizado na década de 1930-1940. Ao crescer em meio a tanta revolução política em nosso país, como o senhor vê o momento atual?
FR – Sim, o Brasil já viveu momentos distintos em sua política. Quando o presidente Michel Temer assumiu, após o impeachment da presidente Dilma Rousseff, estávamos vindo de uma crise sem precedentes. Era produto da somatória de processos econômicos cíclicos e, principalmente, de decisões equivocadas e populistas, e se alimentou fartamente da crise política que antecedeu e sucedeu o próprio impeachment. As principais vítimas desse processo são as pessoas e quem efetivamente produz no país. Capital produtivo foge de instabilidades. Quem ganha com crise econômica e política é especulador e rentista. O que aconteceu depois foi uma estabilização. Temer conseguiu unir os pontos, restabelecer a economia, dar uma boa visibilidade ao Brasil no mercado externo e isso se manteve no mercado de commodities, no qual temos a liderança em vários setores. O atual governo, do presidente Bolsonaro, mesmo com seus percalços internos, e alguns externos, soube manter a liderança desses mercados, que são fortes para nossa economia. A agenda de reformas, em especial a tributária, ainda é um gargalo em nosso desenvolvimento, mas temos que ver os pontos de avanço. O Brasil é um país de muitas possibilidades e riquezas, é momento de investir em novos modelos de negócios – eu, pelo menos, vejo assim –, são nos momentos de pequenas crises, são onde as oportunidades aparecem, nossas mentes ficam mais ágeis para achar soluções.
TW – Ao final da primeira quinzena de dezembro de 2021, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou um parecer com previsões de crescimento econômico para 2022. Depois de dois anos de uma pandemia global, como o senhor vê esse cenário?
FR – Eu vejo com grande otimismo. Devemos entender o cenário de forma global. No Brasil, a economia se manteve estável em parte de 2020 pela força do agronegócio, mas as taxas de desemprego em setores, como comércio e serviços, foram altas. Por outro lado, o mundo descobriu novos negócios. Por exemplo, impulsionou o e-commerce no país. Só em 2020 foram 13 milhões de novos consumidores – um crescimento de 29% em relação ao ano anterior –, gente que, até então, só comprava em lojas físicas. A pandemia acelerou o processo de inclusão digital, e isso é um ponto positivo. Até mesmo o setor de eventos se reinventou com os eventos on-line, e depois híbridos. A criatividade humana não tem limites. O mercado financeiro também expandiu: antes da pandemia, apenas 4% ou 5% do volume de transações no e-commerce eram feitas com cartão de crédito ou débito; durante a pandemia, esse percentual saltou para 30%. Na análise de conjuntura da CNI, a economia brasileira deverá avançar 1,2% no próximo ano, ante 4,7% esperados para o fim de 2021. Se isso se confirmar, será importante para o país, dá o poder de compra para o consumidor e aquece o mercado.
TW – O senhor é um defensor da democracia e dos direitos civis, como vê as questões dos ataques às leis, à ordem e às polarizações que enfrentamos no país atualmente?
FR – As pessoas precisam entender que a democracia é o resultado prático do exercício da soberania popular por meio do voto. Parlamentos e governos ruins são, em alguma medida, um espelho do eleitorado. Tenho a esperança de que a democracia resgate seu caráter pedagógico. Afinal, é errando que se aprende. E quanto mais se pratica, melhor se torna. Nesse processo, porém, é indispensável resgatar a confiança das pessoas. Para isso, a democracia – e, portanto, os políticos – precisa mostrar que é capaz de resolver os problemas práticos dos cidadãos, como educação, saúde, emprego, transporte, moradia e segurança pública. Avançamos muito nas ações de combate às desigualdades sociais no país, mas temos muitos problemas em garantir condições igualitárias a todos. Por outro lado, vejo que o Brasil tem se destacado cada vez mais em ciência e tecnologia. Nossos jovens e cientistas têm recebido reconhecimento internacional e têm inovado nas diferentes áreas.
TW – Por falar em inovação, um dos setores que mais se destaca no Brasil em inovação e tecnologia é o agronegócio. Somos líderes mundiais no setor e ele contribui para manter nossa economia forte. Do ponto de vista da sustentabilidade, ainda gera controvérsia, e muitas pessoas desconhecem suas inovações. Em 2018, durante sua gestão à frente da ARISP, a entidade obteve destaque por suas ações de sustentabilidade. Como o senhor vê a união de ações no desenvolvimento do país?
FR – A ARISP sempre entendeu que o setor produtivo deve exercer protagonismo central na promoção de ações pela sustentabilidade, eu penso igual. Durante minha gestão, foi natural apoiar as ações da entidade no estímulo de campanhas informativas e de apoio técnico e institucional, em que os registros de imóveis sejam lideranças locais em matéria de sustentabilidade, adotando desde ações corriqueiras de aproveitamento adequado da água e de insumos e reciclagem de rejeitos até medidas de educação ambiental e mitigação de emissões de CO2 por meio do plantio de árvores. Eu sempre entendi que os locais públicos são referências importantes para a população e devem fazer seu papel de orientação à comunidade. Por isso, eles devem sensibilizar o povo por meio de bons exemplos e boas práticas, visando sua multiplicação. Em relação à controvérsia entre tecnologia, agronegócio e sustentabilidade, existe muita desinformação. Atualmente, o país tem os maiores centros de pesquisa, como a EMBRAPA, lá são desenvolvidas técnicas das mais variadas e propagadas a todo tipo e tamanho de propriedade. A tecnologia, não apenas no campo, serve para auxiliar a humanidade no crescimento da civilização. Veja como desenvolvemos, em questão de meses, a vacina contra o vírus da covid-19. Isso é ciência. O que precisamos é inserir nas escolas a informação adequada sobre a utilização da ciência e da tecnologia em prol do desenvolvimento sustentável. Assim teremos um mundo mais saudável no futuro.
TW – Ainda falando em inovação e tecnologia, mas com foco em ciência, um dos grandes exemplos do Brasil é o SUS (Sistema Único de Saúde). Ele é reconhecido mundialmente por sua abrangência, capacidade de atendimento e funcionalidade. No entanto, o sistema precisa de aprimoramento em muitos pontos. Qual sua posição a respeito?
FR – O SUS é um orgulho nacional. Grandes países do mundo não têm essa rede de funcionalidade que temos aqui. Eu vejo mais um problema de gestão, que pode e deve ser solucionado, e passa, basicamente, pela política de investimento, que precisa ser revista e cobrada. Devemos destacar as conquistas dos sistemas em 30 anos de funcionamento: o controle e a eliminação de doenças por meio da vacinação, socorro para mais 110 milhões de pessoas na rede pública, assistência farmacêutica, financiamento de transplantes e vigilância sanitária atuante. Além disso, nos laboratórios públicos, o foco está no cidadão, e não no mercado, o que também é apontado como conquista.
TW – O senhor fala bastante sobre a importância da educação. Ter um braço educacional no sistema da ARISP, a UNIREGISTRAL, faz diferença no desenvolvimento dos profissionais?
FR – A UNIREGISTRAL é um projeto prioritário para a ARISP, porque enxergamos a educação como um valor fundante para a sociedade brasileira. Ela nasceu com o propósito de ser uma universidade corporativa voltada à capacitação de recursos humanos dos registros imobiliários, fornecendo cursos livres e de aperfeiçoamento capazes de atender às exigências do mundo contemporâneo, especialmente no manejo das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). No decorrer de sua formulação, percebemos que ela podia incorporar, ainda, as interfaces motivacionais, a atitudinal (fundamentais numa política moderna de gestão de recursos humanos) e a formação de recursos humanos por meio de pós-graduação lato sensu (em fase de estudos). Tudo nas modalidades presencial e a distância. O importante é esclarecer que quando o assunto é educação, não há limites de atuação, e é esse caminho que estamos empenhados em percorrer. Eu entendo que a educação abre caminhos não apenas para o desenvolvimento individual, mas também para o crescimento do país. A importância da educação vai além da transmissão de conhecimento teórico das disciplinas curriculares, ela contribui para a formação cidadã dos estudantes e promove a transformação do meio social para o bem comum.
TW – A educação é, sem dúvida, um divisor de águas na vida das pessoas e no Brasil temos, além das diferenças entre o ensino público e privado, as questões sociais. Por outro lado, o país tem reconhecido programa de transferência de renda desde o início do ano 2000. O senhor acredita que essas ações são um incentivo para geração de oportunidades locais de emprego e renda?
FR – Veja bem, é impossível uma criança se concentrar se ela tem fome. O ideal é promover políticas de geração de emprego das localidades, porém, os programas do governo de transferência de renda são estratégia de enfrentamento da pobreza. Eles possibilitam o acesso e a inserção aos demais serviços sociais nas áreas de educação, saúde e trabalho na perspectiva da autonomização das famílias beneficiárias. Não devem ser uma solução definitiva, mas sim a possibilidade de solução para a crise do desemprego, pois garantem um mínimo de autonomia aos indivíduos. Porém, junto a esses programas é necessário criar capacitação, perspectiva, que permita ao indivíduo retomar sua autonomia, sua capacidade de deliberar, julgar, escolher e agir de acordo com diferentes linhas de ação, tanto na vida privada quanto na pública. A responsabilidade não é apenas dos governantes, mas também das empresas e entidades que podem criar novas oportunidades e nichos de mercados mais abrangentes, que possibilitem o acesso de parcelas maiores da população.
TW – Em relação ao sistema eleitoral brasileiro e à polêmica sobre uma mudança às vésperas da eleição de 2022, qual sua opinião?
FR – Eu entendo que uma reforma política deveria ter sido debatida a exaustão e efetuada há anos. Esse cenário não é benéfico para a economia do país. O sistema político brasileiro é um processo reconhecido pelos grupos políticos que disputam o poder, vencendo a contenda na maioria de votos livre, em eleições abertas, um processo eleitoral legítimo. Portanto, uma das premissas fundamentais para o pleno funcionamento da democracia liberal é o reconhecimento por parte dos partidos, dos meios jurídicos, da sociedade em geral, das regras do jogo, expressadas nas legislações eleitorais. Evidentemente que a democracia não se resume a eleições ou disputas eleitorais, mas, nesse sistema, a legitimidade do poder político se dá através desse processo. Ao pleno funcionamento das instituições, da liberdade dos meios de comunicação (ainda que se desta[1]quem os monopólios e a concentração das mídias), das livres manifestações políticas, dos direitos sociais e individuais, combina o arcabouço de ações que fortalecem o funcionamento democrático. Já vivemos grandes mudanças em nosso sistema eleitoral, a questão é a polarização e o resultado efetivo disso para a população. Eu entendo que precisamos de mais atitudes reais, a sociedade espera que a classe política apresente virtudes. É absolutamente urgente unificar o país e governar para todos, com firmeza, serenidade, honestidade e, principalmente, sem caprichos.
TW – Com sua experiência e sua trajetória, qual legado gostaria de deixar? Que mensagem quer passar às pessoas?
FR – Deixo a lição que aprendi, de que a educação e a confiança podem mudar as coisas. Se tivesse o privilégio de liderar o Brasil, conclamaria empresários e cidadãos em geral, a somar esforços pelo país! Devemos nos comunicar melhor e mostrar ao mundo as coisas boas de nosso Brasil.
Confira essa entrevista na íntegra na banca digital.
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