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Vinicius Lummertz – “Precisamos de mais decisão e coragem para desenvolver o turismo no Brasil”

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Vinicius Lummertz, graduado em Ciências Políticas pela Universidade Americana de Paris, tem se dedicado ao desenvolvimento econômico e ao empreendedorismo, buscando sempre equiparar os objetivos do Brasil ao que acontece no mundo. Empreendedor em vários segmentos, inclusive gastronomia e serviços, chegou nos anos 2000 à diretoria do Sebrae Nacional, seguindo o trabalho que havia iniciado em seu estado de origem, Santa Catarina. Também foi secretário de Articulação Internacional e de Planejamento, Orçamento e Gestão no governo de Luiz Henrique da Silveira, quando criou e presidiu a SCPar, uma das primeiras empresas estaduais do Brasil voltadas a projetos estruturantes e parcerias público-privadas. Voltou a Brasília como secretário nacional de Políticas de Turismo a partir de 2012, nos governos de Dilma Rousseff e Michel Temer, presidiu a Embratur entre 2015 e 2018 e foi Ministro do Turismo. A partir de janeiro de 2019, atendendo ao convite do então governador João Doria, tornou-se secretário de Turismo e Viagens do Estado de São Paulo. Nesta entrevista à Red Pages by Economy&Law, trata do futuro do turismo no Brasil e no mundo e do trabalho desenvolvido em São Paulo.

The Winners Economy&Law – Como o senhor definiria o legado de sua atuação de quatro anos na Secretaria de Turismo e Viagens do Estado de São Paulo? 

Vinicius Lummertz – Mudamos as percepções com ações práticas. O mais importante foi termos levado o turismo para o centro da pauta política e econômica do Estado; também contribuímos com uma maior compreensão sobre a importância do Turismo na geração de empregos em São Paulo. O turismo conta com mais de 10% da participação na economia do Estado, acima da média nacional e com 2,2 milhões de pessoas ocupadas – temos o maior mercado de feiras e eventos da América Latina, e 60% das sedes das maiores empresas de turismo do Brasil. Mas, quando assumimos, em janeiro de 2019, vimos em pesquisas e consultas o que já intuíamos: havia necessidade de identificar São Paulo como sendo estado turístico – pois o estado era visto como dos negócios, das indústrias e do agribusiness, mas não do turismo. O desafio era como efetivar essa mudança, como fazer. Inicialmente, precisávamos de um plano. Fizemos o projeto “SP pra Todos” e o “Plano 20/30”, a muitas mãos, com apoio da FIA e da Invest São Paulo.

 

TWE&L – E conseguiram avançar?

VL – Avançamos muito, com o aval e o apoio dos governadores João Doria e Rodrigo Garcia, de muitas secretarias do governo, do trade turístico e dos prefeitos das 70 estâncias e 140 municípios turísticos do estado. Mas há muito ainda a fazer nesta consolidação. A pandemia foi um desafio inesperado, mas conseguimos realizar a maior promoção do turismo de São Paulo com as campanhas do “São Paulo pra Todos”, que hoje é marca pública, e o fizemos em parceria com a iniciativa privada, em especial com a Abear [Associação Brasileira das Empresas Aéreas] e o Convention Bureau. Divulgamos São Paulo no Brasil e no mundo, na CNN internacional, o que trouxe resultados como a inserção em vários rankings internacionais de destino, e gerou o maior crescimento de “São Paulo” em buscas espontâneas globais para turismo, sendo o destino com maior crescimento detectado pelo Google no início de 2020.

 

TWE&L – Que outras ações foram importantes para reposicionar o turismo em São Paulo?

VL – Conseguimos também trazer mais segurança jurídica ao ambiente de negócios criando e implementando a Lei dos Distritos Turísticos em Serra Azul, Olímpia e Andradina. Criamos rotas gastronômicas por todo o Estado, estruturas náuticas que estão no início de impulso de um setor com grande potencial, realizamos acordo para reduzir impostos dos combustíveis de aviação que trouxe 700 novos voos semanais para São Paulo – e foram privatizados 22 aeroportos no interior do estado. Nesse caso, da redução de ICMS dos combustíveis, substituímos a irracionalidade tributária pela racionalidade econômica. Isso sem falar nos recursos disponíveis para as 70 estâncias e 140 municípios turísticos. Elevamos o patamar de recursos da casa dos R$ 200 milhões para R$ 550 milhões repassados em 2021 e 2022 – um esforço inédito. Temos também o resultado da cooperação técnica com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o programa Mais Turismo SP, em que buscamos priorizar infraestrutura em regiões importantes, o ecoturismo nos parques, programas de crédito e as marcas regionais, os “place branding”.

 

Festa do Peão de Barretos é um dos mais tradicionais eventos turísticos do país

TWE&L – E como está o desempenho do turismo de São Paulo, hoje? Foram superados os efeitos da pandemia?

VL – Vamos fechar 2022 com um crescimento de 11% no PIB do turismo e com a criação de 85 mil empregos diretos, o que será um recorde anual em criação de empregos. A confirmação desses números marca a superação, em números, dos níveis de atividade de 2019/2020 e devemos terminar o ano já com 1 ou 2% acima de onde estávamos. No entanto, o turismo de São Paulo está preparado para uma trajetória de crescimento real de pelo menos 40% até 2030, caso se continue a investir em promoção, na ampliação de oferta de resorts, hotéis e parques temáticos. E isso acontece com uma conjugação de esforços públicos e privados e evolução na segurança jurídica e no ambiente de negócios.

 

TWE&L – O que falta para o turismo em São Paulo e no Brasil dar o “salto” que seu potencial indica?

VL – Falta o Brasil compreender as consequências positivas desse maior protagonismo do turismo tanto na Europa, na América do Norte quanto na Ásia onde entrou na pauta central da política da economia e dos empregos. No Brasil, tanto os governos quanto os agentes econômicos vêm despertando para o potencial do setor. O WTTC, que é a entidade empresarial global do turismo, prevê que 235 milhões de empregos serão criados no turismo em todo o mundo até 2032, sendo que um em cada três novos empregos no mundo deverá vir do turismo. A pergunta que faço é: quanto desses empregos poderão ser brasileiros? Se considerarmos que hoje o turismo no Brasil gera 7,5 milhões de empregos, poderíamos adicionar quase 3 milhões de novos empregos nesse período.

 

TWE&L – Essas metas são factíveis?

VL – Sim, porque o turismo já mostrou ter uma elasticidade muito positiva a investimentos, está muito relacionado e encadeado a outros setores da economia e no Brasil temos o paradoxo do grande potencial e do ambiente de negócios ainda muito incipiente, muitas vezes hostil. Portanto, podemos sim ter várias super décadas do turismo a partir do ano que vem – e não seria algo inusitado, caso venhamos a ter políticas públicas efetivas, agilidade, continuidade, promoção e condições para um direcionamento de investimentos para o setor. Se considerarmos o conceito de economia do visitante, essas possibilidades são ainda mais amplas.

 

Museu do Ipiranga, inaugurado este ano, é agora um dos grandes atrativos para o turismo de SP

TWE&L – Teríamos, neste crescimento do turismo, impactos sociais importantes?

VL – Sim. Se quisermos ver um país mais justo, teremos que aumentar salários e isto se faz aumentando a demanda pelo trabalho e melhorando a produtividade. Aliás, como a discussão política no Brasil por muitas vezes deseduca em vez de educar, são poucos os que falam na relação entre produtividade e ganho social – como um país que tem uma produtividade per capita de ¼ dos países desenvolvidos pode sonhar viver nos mesmos patamares? Daí emerge o pesadelo brasileiro. Não teremos um turismo de massa no Brasil sem uma classe média forte. E não se constrói classe média forte sem aumento de produtividade. A produtividade e a escala são fundamentais para podermos ser mais competitivos em preços no mercado internacional, é um mercado muito competitivo, e com isso, além de trazermos turistas estrangeiros, fazemos com que mais brasileiros tenham acesso ao turismo. Lideranças como a Chieko Aoki e Luiza Trajano defendem muito esse ponto, de um turismo mais eficiente e acessível. Mas não é possível mudar as consequências sem mudar as causas. Nisso, o turismo pode ajudar muito, ao gerar empregos e compensar o aumento de automação e mecanização que é natural em outros setores. Então, precisamos desamarrar e apoiar o turismo do Brasil também por uma questão social. Se hoje temos o maior potencial, o ambiente de negócios ainda está entre os piores do mundo. Enquanto isso, os líderes mundiais do turismo enxergam o Brasil como um dos cinco maiores potenciais do planeta. Comecemos com uma pergunta simples: quantas centenas de bilhões de dólares deixam de ser investidos no Brasil todos os anos, por questões burocráticas e de falta de eixos de prioridades de país? E isso não apenas no turismo diretamente, mas também em infraestrutura, de forma geral.

 

TWE&L – O conceito de economia do visitante engloba tudo isso que o turismo vem se tornando?

VL – Esse novo conceito que estamos ajudando a difundir no Brasil, de “economia do visitante” traduz as possibilidades e a dimensão que o turismo tem atingido e ampliará nos próximos anos. Significa que o turismo potencializa não apenas a economia do turismo em si, com suas atividades diretas, indiretas e induzidas, mas também proporciona escala para muitos outros empreendimentos a partir dos visitantes e turistas: esportes, entretenimento, festas e eventos de grande porte, que acontecem por que contam com a adição do público e movimento proporcionado pelo turismo, viabilizando a realização desses eventos: são os casos da F1, dos Congressos e Feiras, de festivais como o Rock in Rio, Lollapalooza e o The Town, que será realizado em São Paulo. Tudo isso é economia do visitante, que inclui ainda uma multitude de serviços de apoio, incluindo publicidade, consultoria, inteligência de mercado, possibilitados por esta escala econômica adicional que o turismo proporciona. Muitos falam da recuperação que teve a cidade de Nova Iorque – mas isso não seria possível sem os US$ 70 bilhões que são trazidos por 65 milhões de visitantes anualmente. Os visitantes no turismo funcionam também como multiplataforma para toda a economia, inclusive para as indústrias. Um caso brasileiro, a Serra Gaúcha, é onde se vê o turismo elevando e potencializando toda a indústria da região.

Mercado de Pinheiros virou ponto gastronômico importante em São Paulo

TWE&L – E o desenvolvimento do turismo no setor privado, novos modelos de negócio, o que se pode destacar em termos de tendências para o futuro?

VL – O turismo no Brasil obrigatoriamente terá que se desenvolver de forma cada vez mais integrada com outros segmentos de negócio, como acontece nos melhores destinos do mundo; e o primeiro a propor isso deve ser o setor público. Esta sensibilidade deve ser aprimorada, pois as cadeias produtivas vivem emperrando no Brasil. A produtividade dos sistemas sendo baixas, os custos sobem. Os transportes aéreo, rodoviário, ferroviário e a navegação marítima e fluvial, por exemplo, não podem ser pensados como segmentos estanques e sim como a conectividade integrada, uma indústria de bilhões que é fundamental para a economia global e brasileira, aonde o turismo e as viagens são esteios e protagonistas. Outro exemplo é o segmento imobiliário integrado ao turismo, que são dominantes hoje globalmente, com participação de fundos de investimento, de um planejamento integrado de hotelaria, moradia, parques, atrações, propriedade compartilhada. Não tratamos mais do turismo à moda antiga e sim da “economia do turismo”, que se define pelo sentido novo da “economia do visitante” e tudo que daí emerge.

 

TWE&L – A proposta de legalização de cassinos em resorts integrados pode alavancar o turismo brasileiro?

VL – Acredito que sim, o que não significa que não devamos tratar da questão com a cautela e o cuidado necessários. O Brasil é um país pleno em preconceitos em relação ao turismo, que precisam ser superados. Um exemplo claro disso são os hotéis dentro de parques nacionais, que é uma prática comum no mundo todo, e aqui no Brasil temos raríssimos casos, como no Parque Nacional de Itatiaia, em que um hotel foi construído antes da área virar parque, em 1931, e principalmente o Hotel das Cataratas, em Foz do Iguaçu, que é um dos melhores hotéis da América Latina, mas foi inaugurado em 1958! Desde então, não temos mais hotéis relevantes dentro de nossos parques.   Atraso e preconceito são velhos companheiros de viagem no nosso país.

 

TWE&L – E pode-se estar olhando com preconceito a questão de cassinos…

VL – Exato, uma situação semelhante acontece com a questão da legalização dos cassinos – é preciso analisar com cuidado os muitos efeitos positivos e encadeados, principalmente se for seguida a fórmula proposta pelo projeto de lei mais avançado tramitando no Congresso, que autoriza os resorts integrados a cassinos, grandes empreendimentos hoteleiros em que os cassinos não poderiam ocupar mais de 10% da área total, que é bastante equilibrada. Não podemos esquecer o papel dos cassinos da Urca e Quitandinha na formação da classe artística e “show business” brasileiro nos anos 1940, e a forma como os novos investimentos poderiam alavancar e promover o turismo, entretenimento e toda uma rede de serviços. O que precisa ser combatido é o jogo ilegal, a evasão de recursos do jogo on-line que se propõe taxar, e outros jogos não regulamentados. Vejam que mesmo a China considera os cassinos fundamentais para a sua estratégia de turismo, razão pela qual incentiva uma das melhores estruturas do mundo, em Macau. Assim, os que jogam legalmente jogam no próprio país. Ou seja, eles não tiveram medo e sim coragem.

 

TWE&L – O senhor fala bastante em parques naturais como grandes aliados do turismo. No Brasil há inúmeros parques, muitos desconhecidos e com pouca visitação. Como reverter?

VL – O Brasil está entre os três países com maior potencial de turismo nacional do planeta, segundo o World Economic Forum – na verdade, sabemos que é o número um. Perdemos duas posições na era Bolsonaro. Ao redor do mundo, grandes parques naturais funcionam há décadas como destinos turísticos que atraem milhões de turistas todos os anos. Os parques fazem parte do segmento do turismo natural, com uma demanda crescente em São Paulo e em todo o Brasil, mas estão ainda subutilizados. São áreas com um enorme potencial para lazer, educação ambiental e entretenimento sustentável. Em São Paulo melhoramos a infraestrutura para receber os turistas em nossos parques, realizamos concessões para exploração de serviços em condições competitivas e sustentáveis e abrimos espaço para novos equipamentos turísticos, como teleféricos, pontes, skywalks, tree top skywalks e a hotelaria para pernoite dentro dos parques, como já citei o exemplo do Hotel das Cataratas. Novamente, o que falta fazer: um planejamento integrado, com visão madura e adulta para estas áreas. O Brasil deve ser o país dos “Parques para o Planeta”.

 

TWE&L – Como o senhor já mencionou que os brasileiros gastam muito mais no exterior do que estrangeiros gastam em turismo no Brasil, não teria como esses brasileiros também consumirem mais turismo internamente?

VL – Há um grande espaço para a substituição competitiva de importações no turismo. Por exemplo, os brasileiros viajam muito para o exterior para visitar parques temáticos e de lazer. Em São Paulo, a Lei dos Distritos Turísticos e os Distritos formados de Serra Azul, Olímpia e Andradina caminham nesse sentido. No governo Temer, retiramos os impostos na importação de equipamentos para parques temáticos sem similar nacional; da mesma forma, estimulamos setores importantes que precisam crescer, com o fim de exigências como a de 100% de tripulação brasileira em cruzeiros marítimos e a abertura do capital das companhias aéreas. Tanto no segmento de luxo, em resorts, parques naturais, temos potencial para crescer no mercado doméstico. Precisamos ter preço e qualidade em bom termo para atrairmos o turista brasileiro de todos os níveis de poder aquisitivo, também aquele que gasta no exterior.

Uma das principais atrações turísticas do Brasil, Bondinho completa 110 anos em 2022

TWE&L – Tratando especificamente de promoção – o Brasil é uma grande marca, com potencial de ir muito além. Como seria o caminho da venda do Brasil no exterior?

VL – Estamos perdendo tempo. O turismo deve ser uma das prioridades estratégicas do Brasil, por ser inclusivo, sustentável, gerador de empregos e pelo nosso evidente potencial de crescimento. Já disse muitas vezes que o turismo pode ser o “novo agro” para o Brasil em termos de potencialidade econômica, com efeitos ainda mais completos em termos urbanos e sociais, e ótimas soluções ambientais e melhor imagem perante o mundo. Perdemos tempo por não investir com a consistência necessária na promoção e no marketing internacional. O gasto da União com promoção e marketing do turismo foi de R$ 38 milhões em 2018 e de apenas R$ 1,3 milhão neste ano. É fundamental o Brasil integrar-se à cadeia internacional do turismo, como conseguimos fazer no agronegócio.

 

TWE&L – E como se comparam esses investimentos em promoção com parâmetros internacionais?

VL – Esses valores são irrisórios em nível internacional, se compararmos somente com Turquia, México, Colômbia, Peru e Argentina, que oscilam entre US$ 30 milhões até US$ 150 milhões anuais em promoção cada um, de forma consistente durante alguns anos em sequência. Estes são investimentos com retorno garantido quando bem aplicados. Estes países trabalham de muito perto com as companhias aéreas e agências de turismo. Uma das consequências negativas de enviarmos muito mais turistas ao exterior do que recebemos é o deficit em nosso balanço de pagamentos por viagens internacionais, acumulado de mais de US$ 150 bilhões desde 2005. Deixamos de gerar empresas, empregos e oportunidades a centenas de milhares de brasileiros. E se concordarmos que isso é muito negativo, podemos incluir aí um sentido de amoralidade neste não-desenvolvimento. A negação do desenvolvimento possível é, pois, a negação de potenciais de vida que não voltam mais. Não seria isto amoral, ou mesmo imoral?

 

TWE&L – E quais outras ações deveríamos priorizar para que o Brasil possa cumprir esse potencial econômico e de empregos no turismo?

VL – Além de maior priorização para o setor, ação orquestrada pública e privada na melhoria do ambiente de negócios – não há por que termos um ambiente de negócios entre os piores do planeta. Importante também é a disponibilidade de crédito assistido em grande escala, em um pacote de atração de investimentos nacionais e internacionais em turismo, com o conceito dos Distritos e áreas especiais em nível nacional, em regiões como Amazônia, Pantanal, Litoral do Nordeste, Sul e Sudeste. Outros países têm e nós não temos legislações mais amigáveis e modernas para permitir investimentos em prédios históricos, turismo de natureza; maior desoneração fiscal para o setor, especialmente na aquisição e operação de bens de capital e equipamentos sem similar nacional.

 

TWE&L – Isso sem falar nos segmentos de transportes, fundamentais para o turismo…

VL – A conectividade integrada é prioritária, precisamos usar o potencial de nossos aeroportos regionais, com aeronaves de porte adequado; integrar os diferentes tipos de conectividade com os destinos; melhorar a infraestrutura local de atrativos, com melhor empacotamento, segurança, sinalização, qualidade de serviços e capacitação dos nossos recursos humanos; desenvolver o turismo náutico marítimo e fluvial, com toda a costa e rios que temos. Os nossos destinos precisam ser acessados com conforto, qualidade e preço, por todos os modais de conectividade. Precisamos proporcionar condições para que os investimentos se canalizem para o setor. E pensar em turismo sem colocá-lo apenas na “caixinha” do turismo, afinal é uma atividade dinamizadora de vários outros segmentos.

 

TWE&L – As oportunidades de crescimento do turismo brasileiro também dependem de disponibilidade de recursos humanos. Hoje em dia já ouvimos empresários do setor ressaltar a escassez de mão-de-obra qualificada como um desafio. Que avaliação o senhor faz desse cenário?

VL – É exatamente para atrair cada vez mais jovens a ingressar no mercado de trabalho no setor de turismo, que criamos vários projetos educacionais na Secretaria de Turismo e Viagens do Estado de São Paulo. No ano passado, lançamos, em parceria com a Secretaria de Educação do Estado, as Eletivas de Turismo do Programa Inova Educação para os alunos da rede pública estadual. Desde então, já foram mais de 180 mil alunos matriculados. O sucesso logo nos primeiros meses mostra como o turismo atrai o interesse dos jovens. Mas precisaríamos de um Programa de Primeiro Emprego, ou de emprego de entrada, de forma a estimular de forma mais completa a entrada do jovem no mercado de trabalho do turismo, com suas peculiaridades. A educação profissional deve ser cada vez mais dual, se desenvolvendo na realidade das empresas e da operação – e o turismo no Brasil precisa também avançar, com mais flexibilidade na educação e formação, para poder proporcionar as oportunidades que projetamos. Temos uma Plataforma de EAD, com cursos, e parcerias com sindicatos como o SINTHORESP e a União Geral de Trabalhadores para alinhar demandas e capacitação. Também temos bolsas de mestrado e doutorado estão em curso.

 

TWE&L – A Fórmula 1 movimenta mais de R$ 1 bilhão em São Paulo, e é um dos principais eventos do ano com impacto no turismo. O senhor pode detalhar a importância da Fórmula 1 e dos grandes eventos para São Paulo?

VL – Para esse ano, a previsão é de aumento de mais de 20% em relação ao ano passado, chegando a um impacto econômico total de R$ 1,2 bilhão, com geração de cerca de 10 mil empregos diretos e indiretos, além dos informais. Além do impacto imediato na economia local, um evento desse porte gera um ganho de imagem, de exposição positiva para o Brasil em todo o mundo. O valor de exposição projetado para São Paulo a partir do Grande Prêmio de Fórmula 1 foi de mais de R$ 1,5 bilhão. É um exemplo muito claro do conceito amplo da economia do visitante, a forma como atinge vários segmentos da economia – e, sem os turistas de todo o Brasil e exterior que vêm ao Grande Prêmio, não seria viável. O turismo é que proporciona a “virada de chave”. A mesma lógica se aplica a grandes eventos na área de negócios e entretenimento – há ganhos qualitativos, de exposição, de marca de destino que vão além do impacto econômico imediato, que já é muito amplo. Para isso, precisamos continuar a investir na conectividade integrada, em mais centros de convenção, hotelaria e locais para eventos de primeira linha.

 

TWE&L – Quais outros projetos da Secretaria de Turismo e Viagens em São Paulo o senhor destacaria, que estão conectados a essa lógica de reposicionamento, crescimento e economia do visitante?

VL – Desenvolvemos diversos projetos nas mais variadas áreas para o turismo de São Paulo. Um dos pontos que identificamos é que faltava para as regiões turísticas uma marca promocional. Para resolver isso, criamos os programas de place branding para criação de marcas regionais no Vale do Ribeira, Circuito das Frutas e Mantiqueira, entre outros. Fizemos uma parceria com o Sebrae para o SP Ecoaventura, um programa para certificação das atividades de turismo de aventura em estabelecimentos privados, garantindo mais segurança aos turistas. Na área de financiamento ao empreendedor, temos o programa de crédito turístico, em parceria com bancos públicos, que emprestou mais de R$ 2 bilhões durante a pandemia e ajudou a salvar muitos negócios do setor de turismo. Já está em campo o maior programa de crédito turístico orientado do Brasil, com o Sebrae, Desenvolve SP, Caixa, Banco do Brasil, AC Crédito e fintechs. Serão mais R$ 3 bilhões e os road shows já iniciaram.

 

TWE&L – E a questão de informações estatísticas, também é uma carência do turismo brasileiro, não?

VL – Dados estatísticos e informação são essenciais para que os projetos possam ser pensados e desenvolvidos de forma adequada e com eficácia prática. Foi por isso que criamos no início da gestão o CIET, nosso Centro de Inteligência da Economia do Turismo, que agora foi reconhecido como membro oficial da Organização Mundial do Turismo. Esse ingresso na rede da OMT eleva a competência do CIET a um novo patamar, ao permitir acesso aos métodos de pesquisa inovadores que a OMT desenvolve e o compartilhamento de cases de sucesso de outros destinos turísticos.

 

TWE&L – Depois de todas essas reflexões, o senhor é otimista com o desenvolvimento do turismo no Brasil?

VL – Sim, estou, sou e sempre serei otimista em relação ao Brasil. O Brasil é uma grande dádiva, uma herança para todos os brasileiros. Nós herdamos um país maravilhoso, que é grande, complexo, mas diverso, com um dos dez maiores patrimônios culturais do mundo e com um povo com alto grau de hospitalidade natural, mesmo diante de todas as dificuldades. O brasileiro mantém um bom clima, uma alegria, e isso é muito positivo para o turismo. Isso são trunfos que temos para desenvolvermos uma economia do turismo mais completa, gerar empregos e mostrar o nosso país ao mundo. Onde há turismo, não há desemprego. O mundo inteiro já aprendeu isso. Há uma corrida mundial pelos empregos do turismo, e nós temos esse potencial excepcional. Mas é preciso ter coragem para rompermos com aquelas amarras que nos ancoram ao passado. O Brasil é também um dos países mais conservadores do mundo. Confundimos a nossa informalidade com uma suposta modernidade, mas vivemos em um sistema que é muito preconceituoso e burocrático. Precisamos começar a contrariar mais o velho e surrado adágio de que “inovar em governo é proibido, pois não está previsto em Lei”. Até a China, que é um país comunista, tem maior efetividade em inovação pública e desburocratização. Acredito muito na economia do turismo e nos seus empregos como um dos condutores a uma situação de maior justiça e oportunidades. Nesse sentido, o que impede nosso desenvolvimento deve ser removido, especialmente aquelas mudanças que os outros países já fizeram. A mudança está em nós, e tem a ver com a coragem de se desprender do passado e caminhar em direção ao futuro.

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