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Dr. Luiz Flávio Borges D’ Urso: Uma vida dedica a justiça e a ordem

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The Winners Golden Pages nº01

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Um dos principais advogados criminalistas do país concede esta entrevista, e fala sobre sua atuação na vida pública e nas mudanças jurídicas do país durante sua carreira. Reconhecido por sua atuação a frente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo, atuou na defesa dos advogados e nas principais questões de ordem nacional. À frente do escritório da família, e com quase 40 anos dedicados a profissão, ele expõe seu ponto de vista em temas importantes do Brasil e fala sobre sua trajetória de vida. Confira o raciocínio e os pareceres deste grande homem.

The Winners – A sua formação jurídica e experiência de quase 40 anos de advocacia lhe propiciam
uma visão diferenciada da realidade brasileira?

Luiz Flávio Borges D’Urso – Sem dúvida nenhuma. A percepção da realidade pelas pessoas, de uma forma geral, resulta na captação dessa realidade filtrada pelas mais diversas condições pessoais. Tudo influencia. A educação, a origem, o trabalho, a cultura, etc. No caso daqueles que tiveram formação jurídica, isso passa por um filtro mais apurado, de modo que estas pessoas têm melhor compreensão do sistema e não mera percepção, intuição ou palpite. Portanto, no meu caso, além da formação jurídica, a experiência de quase 40 anos de ininterrupto exercício da advocacia leva-me a olhar com mais parcimônia e cautela os fatos de nosso cotidiano, destituindo as paixões que geralmente ofuscam a visão da realidade. Isso não significa que eu esteja sempre certo, claro que não, mas que, pelo meu olhar, a visão será mais isenta do que a das pessoas que olham pela lente da emoção.

TW – Como se dá o exercício da advocacia criminal no Brasil?
LFBD – Essa pergunta é interessante até para que eu possa esclarecer como se dá o pleno exercício da advocacia criminal. A premissa é de que não usamos nosso estudo, preparo ou talento para garantir a impunidade. Equivoca-se quem acredita que o advogado criminalista vai trabalhar para encontrar uma “saída”, ou uma desculpa para que o indivíduo não seja punido, ou até que oriente a mentir ou forjar provas para se livrar de sua responsabilidade. Isso nunca foi papel do advogado. O advogado criminal trabalha com todo seu conhecimento e forças para garantir que um indivíduo acusado de um crime possa ter um julgamento justo. Lembro-me de uma frase dita pelo meu pai, saudoso advogado e professor Umberto Luiz D’Urso, quando revelei que desejaria exercer a advocacia criminal. Disse ele: “O advogado criminal atravessa o lamaçal sem sujar as barras da calça”.

Em suma, da mesma forma que o padre odeia o pecado, mas ama o pecador, o advogado criminal abomina o crime, mas está sempre de prontidão a amparar o acusado para que ele tenha um julgamento justo.

Essa frase encerra muitos conceitos importantes, entre eles o de que o advogado não pode se tornar comparsa ou cúmplice de seu cliente, muito menos partícipe ou coautor do crime. Existe um limite ético que precisa ser sempre observado e jamais ultrapassado. Em suma, da mesma forma que o padre odeia o pecado, mas ama o pecador, o advogado criminal abomina o crime, mas está sempre de prontidão a amparar o acusado para que ele tenha um julgamento justo, pouco importando o crime pelo que é acusado. Esse é o nosso papel, muitas vezes de difícil compreensão pela sociedade em geral, que, equivocadamente, acredita que a defesa é um estorvo para se concretizar a justiça, quando, na verdade, é a defesa que garante que a justiça seja realizada. A ausência de defesa é a garantia de injustiça. Isso no mundo todo, e não é diferente no Brasil.

TW – E como foi a caminhada para você chegar à presidência da Ordem dos Advogados do Brasil, em São Paulo?

LFBD – Foi muito longa, mas extremamente gratificante e estimulante. Era um sonho que nasceu em 1982, quando fui ao escritório do então presidente da OAB/SP, Dr. Márcio Thomaz Bastos, para obter uma mensagem que seria inserida em nosso convite de formatura. Eu era o presidente da comissão de formatura e seria o orador da turma. O Dr. Márcio era amigo de meu pai, que nos apresentou. Passei a tarde com ele conversando sobre a advocacia e sobre a missão de presidir a OAB. Saí de seu escritório com a decisão de que um dia eu queria chegar à presidência da entidade. Muitos anos se passaram e eu fui me aproximando cada vez mais da vida associativa. Iniciei participando das palestras – assistia a todas,  pois eram gratuitas. Depois fui convidado a participar de inúmeras comissões, até que integrei, como julgador, o Tribunal de Ética da OAB. Posteriormente aceitei o convite para ser conselheiro seccional da entidade. Na gestão do saudoso presidente Rubens Approbato Machado, meu padrinho político, além de conselheiro, fui também diretor cultural. Implantei e coordenei o Conselho do Jovem Advogado, abrindo as portas da OAB/SP aos jovens colegas. Depois de tudo isso, aos 42 anos, é que meu nome foi lembrado para disputar a presidência da OAB/SP, com apoio maciço dos jovens colegas. Foram 20 anos me preparando para esse momento. Depois fui convidado a participar de inúmeras comissões, até que integrei, como julgador, o Tribunal de Ética da OAB. Posteriormente aceitei o convite para ser conselheiro seccional da entidade. Na gestão do saudoso presidente Rubens Approbato Machado, meu padrinho político, além de conselheiro, fui também diretor cultural. Implantei e coordenei o Conselho do Jovem Advogado, abrindo as portas da OAB/SP aos jovens colegas. Depois de tudo isso, aos 42 anos, é que meu nome foi lembrado para disputar a presidência da OAB/SP, com apoio maciço dos jovens colegas. Foram 20 anos me preparando para esse momento.

TW – Durante esses 20 anos você só se preparou para presidir a OAB? Você lecionou? E a advocacia?
LFBD – Na verdade, nesse período, fiz muita coisa fora da OAB. No campo associativo, fui presidente da Associação dos Advogados Criminais de São Paulo – Acrimesp, presidi o Conselho Estadual de Política Criminal e Penitenciária de São Paulo, fundei e presidi a Academia Brasileira de Direito Criminal – ABDCRIM (entidade que voltei a presidir neste ano de 2020), presidi a Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRACRIM, integrei o Conselho Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça. No plano acadêmico, fiz especialização em Direito Criminal, após, obtive o mestrado e o doutoramento em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP, lecionei em diversas Faculdades de Direito, até minha candidatura à OAB. Fui autor, coautor e colaborador de inúmeros livros jurídicos. Elenco tudo isso para que os jovens percebam que nada cai o céu. Não existe sorte ao acaso. Você faz a sua sorte. Quando se deseja algo, é preciso muito trabalho e dedicação, obstinação, dias após dia, com muita persistência. Assim foram os 20 anos para chegar a tornar-me candidato a presidente da OAB/SP, em 2003. A eleição foi concorridíssima, pois havia nove chapas disputando a direção da entidade. Felizmente fomos vitoriosos, e no dia seguinte convidei os integrantes das outras chapas para estarem conosco dirigindo a Ordem. Das oito chapas restantes, seis passaram a integrar a nossa administração. Essa foi a longa caminhada até chegar à presidência da entidade, lecionando e advogando sempre.

Saguão do escritório D’Urso e Borges Advogados Associados

TW – E como foi o período na Ordem dos Advogados do Brasil, em São Paulo, durante sua gestão?
LFBD – Um período de riquíssimas experiências. Primeiro porque estava fazendo o que gosto, com imenso prazer, que era conviver com os colegas de todo o país, defendendo-os e, assim, defendendo a nossa paixão, a advocacia. Por outro lado, interagia com todos, líderes e liderados, e com todas as forças vivas da sociedade. O saudoso Approbato dizia que o presidente da OAB também era o presidente da sociedade civil. De fato, isso é verdade, pois, por força de lei, a OAB deve defender a advocacia, a rápida aplicação da justiça, o Estado Democrático de Direito, os direitos humanos e a cidadania, assim, tudo o que for de interesse da cidadania será de interesse da OAB. A experiência de administrar uma máquina com 3 mil funcionários e de representar 350 mil advogados mescla honra e responsabilidade. Amadureci muito nesse período. Vivia na estrada, pois no Estado de São Paulo tínhamos 240 subsecções nos municípios paulistas e mais de mil salas de advogados dentro dos fóruns, as quais são administradas pela OAB. Toda quinta-feira, durante os três mandatos (9 anos), saía em viagem e voltava no sábado. Visitei todas as subsecções por várias vezes. Sempre achei importante estar em contato com a base da advocacia, para ouvir e sentir os reclamos da classe. De um lado, administrativamente, implantamos o ISO 9000, tento importante para o sistema OAB. De outro lado, politicamente, representando os colegas, tive a oportunidade de cerrar fileiras com as outras entidades, tais como Fiesp, Associação Comercial, Sindicatos, Clubes de Serviços, Maçonaria, Entidades de Classe, etc. para lutas de interesse da sociedade, e foram muitas vitórias colhidas. A OAB tem 80 anos de existência, e eu tive o privilégio de presidi-la por 9 anos, 10% de toda essa história. Talvez não haja outra entidade da sociedade civil com tantos serviços prestados ao Brasil como a OAB. Enfim, me sinto orgulhoso de ter sido escolhido pelos meus colegas e eleito por três vezes, para presidir a OAB/SP.

TW – Voltando no tempo, na fase de formação da Assembleia Nacional Constituinte, você, ainda muito jovem, integrava o Conselho do Jovem Empresário da Associação Comercial de São Paulo e, em nome da entidade, frequentou os gabinetes dos deputados constituintes, levando as propostas dos empresários. Como foi esta experiência?
LFBD – Isso aconteceu entre 1985 e 1988, no período pré-constituinte. A convite do Guilherme Afif Domingos, que conheci quando cursei em 1985 a ADESG (Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra), passei a integrar o Conselho de Jovens da Associação Comercial de São Paulo. Uma oportunidade que me ensinou a trabalhar em colegiado. Debatíamos com os ícones do comércio os temas de interesse do segmento. Os resultados desses debates tornavam-se postulados defendidos pela entidade, que preconizava a livre iniciativa. Ao iniciar os trabalhos, a Assembleia Nacional Constituinte passou a escrever a nova constituição federal e como democraticamente deve ocorrer e todos os segmentos da sociedade passaram a interagir no parlamento para defesa de seus interesses. Nesse momento, surgiu a oportunidade deste grupo de jovens da ACSP fazer o trabalho de persuasão junto aos deputados constituintes, e lá fui eu para Brasília defender as bandeiras da entidade. Dialogar com políticos de esquerda, de centro e de direita foi um aprendizado. Sustentar os argumentos da livre iniciativa que por vezes eram bem recebidos e por outras, totalmente rejeitados, me fez compreender a multiplicidade de opiniões sobre temas de interesse nacional e quanto debate é fundamental para a democracia. Creio que poucos tiveram a oportunidade que tive de sentir a feitura de nossa Carta Magna. Conheci pessoas extraordinárias, como o jovem Gilberto Kassab, a família Tuma, o então Deputado Federal Nelson Jobim, entre tantos.

TW – O Congresso Nacional é formado por pessoas heterogêneas, que retratam a sociedade brasileira. Na constituição de 1988, procurou-se contemplar todos os segmentos sociais. Isto pode ter comprometido e inviabilizado a efetivação de todos os direitos ali contemplados?
LFBD – O parlamento brasileiro, como deve acontecer sempre nas democracias, precisa representar todos os segmentos da sociedade. Desse modo, ser heterogêneo é uma qualidade democrática de nossas casas congressuais. A constituição federal de 1988, denominada pelo Deputado Ulisses Guimarães a Carta Cidadã, contempla todos ou quase todos os segmentos e pleitos da sociedade brasileira. Não podemos esquecer que se trata de uma constituição elaborada após o período militar, portanto, preocupada em garantir que as liberdades civis e as garantias individuais fossem observadas. Uma assembleia nacional constituinte parte do zero e não existe nada preestabelecido, de modo que a constituinte pode tudo. Imbuídos de garantir uma perene estabilidade democrática, os congressistas se esforçaram em prever muitas garantias e incontáveis direitos. Isto tornou a constituição brasileira bastante extensa, o que, por si só, não considero um defeito. Muitas críticas são levantadas, acusando a nossa Carta Magna de ser benevolente por criar direitos incompatíveis com os deveres e obrigações. Essa crítica também é injusta, pois os direitos ali previstos são compatíveis com o momento histórico, com o espírito do legislador e mais, são exequíveis, mesmo quando um aparente conflito se estabelece, porque o intérprete constitucional compatibiliza os direitos entre si e os direitos frente aos deveres e obrigações ali estabelecidos. Enfim, é um grande diploma legislativo.

TW – A nossa Constituição Federal já completou mais de 30 anos. Temos algo a comemorar?
LFBD – Mas é claro. Vivemos hoje na plenitude democrática, e nestas três décadas, o Brasil aprendeu a conviver com os contrários, a respeitar a vontade das urnas, a respeitar decisões judiciais, a observar e denunciar as violações aos direitos humanos. Estamos aprendendo a defender a democracia, e neste ponto não podemos esmorecer. A história revela que todas as vezes que se tolerou afrontas à democracia, posteriormente assistiu-se a sua derrocada com a implantação de regimes autoritários. Nestes últimos anos estamos observando um movimento pendular em nossa sociedade que intensificou a intolerância com os contrários, e por vezes, manifestações de um fundamentalismo que não desejamos para o Brasil. Em alguns momentos as manifestações de ódio são estimuladas e aplaudidas, mas isso felizmente não é a regra. Temos de estar atentos para que isto não se reitere a ponto de corroer a nossa democracia e seus princípios basilares.

TW – Existem vozes no Brasil, pregando a necessidade de uma nova Constituição Federal, a qual hoje seria promulgada sem o clima político do pós-regime militar. Qual sua opinião a respeito?
LFBD – Eu creio que não precisamos de uma nova constituição, precisamos sim cumprir a que temos. Na verdade as garantias individuais dizem respeito a todos, também os direitos nela insculpidos, e com as obrigações e deveres não seria diferente, portanto, nossa Carta se presta a proteger o cidadão contra o gigantesco poder estatal. Quem exerce o poder, por vezes, excede os limites deste poder, extrapola suas funções. Neste caso, somente leis que visam garantir os direitos fundamentais é que podem frear os abusos e dar esperanças que os excessos não serão permitidos. Por tudo isso é que não vejo razão para uma nova constituição. Convém alertar sobre o risco no momento da elaboração de uma nova constituição, pois partindo do zero, tudo pode ser estabelecido neste novo pacto, mudando o regime, a forma de governo, a feição do Estado, os direitos de cada um, enfim, mudando tudo. E quem seriam os legisladores constituintes para esta tão nobre missão? É para se meditar.

TW – O Supremo Tribunal Federal tem sido acusado de um ativismo judicial. Na sua avaliação, esta crítica procede?
LFBD – Em parte sim. O que ocorre é que o legislador brasileiro, eleito para seu mandato, deveria legislar à frente de seu tempo, mas na verdade ele legisla com atraso. Isto, por vezes, impõe que a questão posta à apreciação do poder judiciário não encontre previsão legal, ficando um hiato por omissão do legislativo. Neste caso, o poder judiciário que não cria leis, mas somente julga os conflitos estabelecendo a aplicação justa da lei, se vê obrigado a decidir sem um parâmetro legal preestabelecido. Nesta situação, a decisão judicial vincula a todos, sem que essa vinculação seja por força de lei. A isto se denomina ativismo judicial, que precisa ser evitado o quanto possível, mas em alguns casos não há outra alternativa senão decidir o caso concreto pela premência do tema, como no caso do aborto do anencéfalo, pois mesmo sem previsão legal para a situação, o Supremo Tribunal Federal se viu obrigado a decidir o tema naquele momento histórico. Evidente que a decisão nestes casos não impede que o congresso legisle, posteriormente, sobre o tema.

TW – Após a criação da TV Justiça, a sociedade brasileira começou a acompanhar mais amiúde os julgamentos da Suprema Corte brasileira e, em razão disto, ela passou a participar e opinar sobre questões jurídicas das mais simples às mais complexas. Isto tem levado a severas críticas quando as decisões não agradam à opinião pública. Quais os reflexos disto para a justiça?
LFBD – Entramos agora em terreno movediço, pois a implantação da TV Justiça, realizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal – Marco Aurélio Mendes, tinha o condão de trazer transparência aos julgamentos e às decisões judiciais, para que o cidadão conhecesse como ocorrem os processos e a feitura da justiça no Brasil. De outra banda, a forma como cada ministro decide expôs seus posicionamentos técnicos para um público leigo que, na maio ria das vezes, palpita emocionalmente sobre todos os temas, sem o menor conhecimento jurídico sobre eles ou sobre o processo em julgamento. O resultado é híbrido, pois se a TV Justiça auxiliou na transparência e, pedagogicamente, ensinou como se dão os julgamentos no Brasil, também trouxe problemas até então inexistentes, como a superexposição dos ministros que passam a ser questionados e até hostilizados sobre suas falas e decisões. Os julgamentos de nossa Suprema Corte não podem dar lugar a espetáculos com grande cobertura da mídia, porque isto provoca um fenômeno de torcidas para este ou aquele resultado e, como nos esportes, torcidas se tornam turbas ensandecidas que não admitem o resultado daquela partida; em outras palavras, não admitem o resultado do julgamento, inclusive elegendo como alvo de sua fúria o próprio julgador, o que é incompatível com a democracia, na qual decisões judiciais podem ser objeto de recurso, todavia, jamais descumpridas.

TW – Recentemente, o Brasil acompanhou de perto os desdobramentos da chamada “Operação Lava Jato”. Qual o impacto desta operação na justiça, na política e na economia brasileiras?
LFBD – O impacto foi muito positivo. É inegável que o problema da corrupção se agravou no Brasil e precisava de uma reação, que veio pela operação Lava Jato. Na justiça observamos, inicialmente, uma onda que teve adesão maciça da sociedade e da imprensa. Infelizmente existiram abusos e ilegalidades sob aplausos de muitos. Com o tempo verificou-se, mais uma vez, que não podemos combater crime cometendo crime, vale dizer, não se pode coibir ilegalidades praticadas pelo cidadão admitindo que onEstado, por seus agentes, cometa outras ilegalidades. O combate ao crime e especialmente o combate à corrupção tem de ser realizado sempre dentro da lei observando-se os princípios constitucionais e as garantias individuais. Na política tivemos um desastre e uma depuração. Desastre porque se criminalizou a atividade política, o que é um enorme erro, pois a solução dos problemas da sociedade tem de ocorrer pela política. E quanto à depuração, esta se deu nas urnas, com uma maior conscientização da importância e responsabilidade do voto. Já na economia houve uma hecatombe, pois empresas gigantescas não foram poupadas em consequência da condenação de seus dirigentes. Isto levou ao desemprego, à inadimplência e à falência de muitas empresas importantes para o Brasil. Por fim, é preciso superar a hipocrisia de comparecer à avenida Paulista com camiseta da seleção para manifestar contra a corrupção e oferecer propina para o guarda de trânsito, quando surpreendido dirigindo sob efeito de álcool ou em excesso de velocidade. Ainda temos muita carência na educação para a formação de uma cultura de respeito à lei.

TW – Diante da sensação de impunidade, que há muito tempo permeia a sociedade brasileira vez por outra, esta mesma sociedade clama por penas mais severas e uma maior incidência do Direito Penal nas atividades humanas. Aumentar a quantidade de crimes e suas penas levará à diminuição da criminalidade?
LFBD – Esse é um dilema antigo. Diante do avanço da criminalidade, a reação eficaz para diminuí-la se daria com o aumento da quantidade de penas? A história mostrou que todas as vezes que a humanidade caminhou nessa direção o resultado sempre foi uma grande frustração. No Brasil, na década de 90, diante do aumento da incidência dos homicídios graves, dos sequestros e do tráfico de entorpecentes, o legislador convenceu o país de que, aumentando as penas para estes crimes e adjetivando-os como hediondos, teríamos a diminuição de suas práticas. Não preciso dizer que o efeito foi inverso, pois tais crimes não diminuíram, pelo contrário, só aumentaram. Na verdade, o que funciona é a certeza da punição, independentemente da quantidade de pena, que importa pouco caso o criminoso esteja convencido que o Estado não ira puni- lo.

TW – A atividade empresarial, que antes apresentava apenas um risco econômico/financeiro para o empresário, hoje apresenta, também, um efetivo risco criminal. Como o empresário poderia se precaver deste risco? Qual a importância do compliance neste contexto?
LFBD – Quando comecei a advogar, há aproximadamente 40 anos, a atividade empresarial nada tinha a ver com conduta criminosa. Nossa clientela, à época, acusada da prática de um crime, não incluía o executivo ou o empresário. Isso mudou muito no Brasil. A atividade empresarial hoje se tornou uma atividade de alto risco criminal. Nos últimos 20 anos, o legislador se ocupou em punir criminalmente condutas empresariais que se pretendia evitar. Isto é um grande erro, pois nossa sociedade dispõe de meios punitivos para coibir condutas fora da área penal, a qual deve ser reservada somente para os casos graves. Todavia o legislador optou em reagir sempre com o Direito Penal, e o resultado é que muitos empresários são processados criminalmente e condenados por condutas até irrelevantes sob o ponto de vista do interesse social. Um exemplo disso é que a ausência do pagamento de um imposto pode ser simplesmente um inadimplemento e não um crime de sonegação fiscal, mas parte-se da premissa que se trata de um crime. Isso é muito ruim para o Brasil, pois o legislador banalizou o Direito Penal na ânsia punitiva. Considero isso um retrocesso. A forma do empresário se precaver é implantar um sistema de compliance, que vai ajudá-lo a fiscalizar todas as operações de sua atividade empresarial, alertando-o diante de alguma irregularidade.

TW – Os tribunais brasileiros estão abarrotados de processos, resultado de uma cultura na qual a solução dos conflitos, tradicionalmente, só se dá por meio do processo judicial. O mundo todo, para enfrentar este problema, passou a utilizar os meios alternativos de solução de conflitos. Seria uma solução adequada para o Brasil?
LFBD – Peremptoriamente sim. Já tarda a utilização plena no Brasil de meios alternativos para solução de conflitos. Neste ponto a legislação já está bastante avançada, contemplando estas soluções. A população, diante de uma controvérsia ou de um conflito, busca sua solução, independentemente de um processo, de modo que, quanto mais rápida e eficaz for esta solução, mais bem atendido é o cidadão. Embora o Estado detenha o monopólio da solução de conflitos, pela via do Poder Judiciário, há espaço previsto legalmente para estas soluções, sem o tradicional e demorado processo. Isto faz parte de uma cultura que vem mudando no Brasil. Atualmente já se investe mais nos acordos, nas composições, nas conciliações, nas arbitragens, distanciando-se, o quanto possível, do processo, o que é muito salutar. Precisamos ensinar mais e mudar esta cultura na formação dos operadores do direito, nas faculdades do Brasil.

TW – Não é difícil encontrar localidades, pelo Brasil afora nas quais o processo ainda é físico e literalmente costurado com agulha e barbante, diante de uma verdadeira revolução tecnológica que propiciou a implementação do processo eletrônico. Apesar do avanço que já se percebe, críticas são dirigidas à informatização total do Poder Judiciário. Qual sua interpretação sobre este momento da justiça brasileira?

LFBD – O futuro finalmente chegou. Lembro-me que, em março de 2004, num projeto que desenvolvemos pela OAB/SP e o extinto Tribunal de Alçada Criminal – TACRIM, cujo presidente era o Dr. Renato Nalini, impetrei a primeira Ordem de Habeas Corpus totalmente digital. Isto foi pioneiro. No Tribunal, o Dr. Nalini organizou para que todos acompanhassem a tramitação e a decisão, que foi virtual. A ordem foi concedida. Foi um sucesso que demonstrou a possibilidade real para a implantação do processo digital. Hoje, 16 anos depois, o processo digital é uma realidade avassaladora e de pleno sucesso. Tudo isto foi muito acelerado pela pandemia que impôs o afastamento social, prestigiando as iniciativas de trabalho virtual. Naturalmente um ou outro problema ainda persiste, os quais serão solucionados com o tempo. Enfim, é um avanço irreversível.

TW – Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi alvo de um ataque perpetrado por hackers que criptografaram todo o sistema informatizado do Tribunal, impedindo que os usuários, funcionários e ministros pudessem acessar as informações ali constantes, inclusive os processos eletrônicos. Isto revelou uma fragilidade na segurança destes sistemas, que prejudica a prestação jurisdicional e o funcionamento da própria sociedade. O que se pode fazer diante deste gigantesco desafio?

LFBD – Aqui enfrentamos verdadeiramente um gigantesco desafio, pois, por mais investimentos que façamos e quão preparados estejamos, ainda estaremos perdendo para os hackers que se ocupam, exclusivamente, em quebrar as barreiras de segurança dos sistemas. Quanto mais importante forem as informações ou o serviço, maior risco em sua operação. Isto se aplica aos processos digitais e aos sistemas dos tribunais no Brasil. Não existe outra alternativa senão enfrentar esse problema e, permanentemente, com grandes investimentos, dificultar a ação desses criminosos virtuais.

TW – Qual a sua opinião sobre a aplicação da inteligência artificial no mundo jurídico? Acredita ser possível a substituição dos juízes por robôs?
LFBD – A inteligência artificial é utilizada em todas as atividades humanas. Na justiça, ela está sendo implantada nos escritórios, nas repartições públicas e nos tribunais com êxito. Isto porque sua aplicação substitui as atividades repetitivas que a máquina faz melhor e mais rápido que o homem. A inteligência artificial deve estar a nosso serviço e não o contrário. Assim, não vislumbro, até este quadrante histórico, a possibilidade de as decisões judiciais emanarem da máquina, fruto de algoritmos, vale dizer, de juízes robôs. Na justiça existe um componente insubstituível que é a compreensão humana, isto porque uma decisão judicial, além de levar em conta as provas, a lei e a jurisprudência, também é composta pela interpretação, fruto da experiência do julgador. Nossa formação tem uma base humanística sobre a qual se sedimenta a ciência que dominamos, assim, não se pode examinar uma questão ou conflito humano abstraindo-se o olhar e o sentir do humano. Mas temos ainda muito pela frente.

Da esq. para dir. – De pé: Dra. Adriana Filizzola D’Urso (filha), Prof. Dr. Luiz Flávio Borges D’Urso. Sentados: Dr. Flávio Filizzola D’Urso e Dr. Luiz Augusto Filizzola D’Urso (filhos)

TW – Durante a pandemia muitas empresas, que investiram milhões em seus sistemas de segurança digital, liberaram seus funcionários para trabalhar em suas residências, em home office. Isto trouxe algum tipo de vulnerabilidade para o sistema de segurança de informação destas empresas?
LFBD – Este foi um gravíssimo problema só percebido após alguns desastres. Diante da pandemia e do distanciamento social, as empresas se viram obrigadas a implantar o trabalho em home office, de modo que os funcionários mantiveram seus empregos e continuaram a realizar as atividades de suas casas. Isto foi muito bom, todavia, implantado emergencialmente, não foram observadas todas as cautelas necessárias. Um exemplo disso é que, enquanto o funcionário trabalhava no ambiente da empresa, mesmo que no espaço virtual, seu acesso se dava por meio de um sistema bastante protegido, face os investimentos que a empresa realizou para sua proteção virtual. Ocorre que tudo muda quando o acesso ao sistema é realizado pela conexão caseira do funcionário, na qual o investimento em segurança inexiste. Nestes casos, a porta fica aberta para as atividades criminosas de invasões aos sistemas dessas empresas. Hoje, essas vulnerabilidades estão sendo contornadas pela instalação de mecanismos de segurança que protejam estas empresas, mas isto foi algo que não se previu, simplesmente aconteceu.

TW – Diversas nações tiveram a aceleração de seu desenvolvimento econômico, técnico, científico e humano investindo massivamente em educação. Este modelo deve ser seguido pelo Brasil?
LFBD – Não vejo outra alternativa para o Brasil senão um investimento maciço em educação. É verdade que isto não resultará em transformação imediata de nossa sociedade, pois talvez leve o tempo de uma geração, mas não podemos negligenciar tal propósito. Foi exatamente isto que fez países deixarem para trás condições deploráveis para seus povos e alcançarem índices extraordinários de desenvolvimento e qualidade de vida para todos. A receita já foi testada com sucesso muitas vezes. Tudo depende de vontade política. Aliás, essa é uma das razões para incentivar o ingresso de novas pessoas na política, para contribuir com decisões dessa importância. Não se pode criminalizar a atividade política sob pena de se ter uma debandada dos bons, restando um terreno ocupado por indivíduos destituídos de interesse público. Fica a frase tão verdadeira: a pena para quem não gosta de política é ser governado por quem gosta.

TW – Qual a importância da imprensa para a democracia em um Estado Democrático de Direito? Quais os riscos da censura? E quanto ao sigilo da fonte, este deve ser uma garantia intocável?
LFBD – A imprensa tem um papel insubstituível no Estado Democrático de Direito. É ela que, com independência e isenção, cumpre sua função de fiscalizar e denunciar todo tipo de desmandos. Temos todos de defender uma imprensa livre que não sofra influência do poder político ou do poder econômico, que não se submeta à censura. Aqui reside a eterna vigilância para que qualquer iniciativa que revele intenção de censura seja imediatamente refutada. Não se tem democracia com censura da imprensa. O sigilo da fonte é uma garantia da liberdade de imprensa, coluna de sustentação dos primados democráticos. Mas a imprensa não é poder e não pode tudo, também ela deve observar a lei e os princípios éticos que norteiam a atividade. Caso não observe estes limites, o resultado pode destruir vidas e reputações instantaneamente. Em caso de excessos há que se recorrer ao judiciário, que tem o dever de recompor as coisas como devem ser, vale dizer, punindo os excessos pecuniariamente e penalmente. No plano ético, a responsabilidade do veículo e do profissional de imprensa evita os erros e os excessos. Historicamente, os déspotas se arrostaram com a imprensa e com a advocacia, que sempre os incomodou.

TW – Você está à frente de um escritório de advocacia familiar, que completa 65 anos de existência, fundado pelo seu pai e do qual também fazem parte seu irmão e seus quatro filhos. Quais os desafios de se trabalhar em família? É possível compatibilizar um processo de modernização e manter as tradições, perpetuando um legado? E como implementar um processo de sucessão familiar com sucesso?
LFBD – Meu pai fundou nosso escritório em 1956, e até hoje seus valores éticos e de qualidade dos serviços prestados são cultuados por todos os sócios, advogados, estagiários e demais colaboradores. Essa base constitui o legado que temos obrigação de perpetuar. Trabalhar em família traz alguns poucos desafios e muita satisfação. Os valores familiares estão presentes no trabalho realizado em prol de nossos clientes. A regra é de que, em qualquer circunstância, não se distancie de seus valores, pois eles que definirão quem você é. Com este pensamento construímos, diariamente, nossa reputação. Nada disso impede que o escritório, se modernize. São coisas que se completam e jamais se anulam. Quanto à sucessão familiar, aqui reside um grande desafio. Eu sucedi meu pai no comando da operação do negócio e isto se deu naturalmente; agora, busco preparar a nova geração para esse momento futuro que um dia vai chegar.

TW – No atual quadrante histórico, vale a pena investir e empreender em nosso país? Passada esta difícil fase de pandemia, quais as suas perspectivas para o futuro do Brasil?
LFBD – As melhores perspectivas possíveis. Sou um otimista por natureza e vislumbro muitas oportunidades. Nos próximos 10 anos muitas atividades de trabalho irão desaparecer e outras novas surgirão, trazendo inusitadas oportunidades. Lembro-me sempre da história do vendedor de sapatos que, ao chegar em sua nova praça comercial, verificou que ninguém ali usava sapatos. Poderia ele desistir e lamentar, pois como poderia vender sapatos para um povo que, habitualmente, andava descalço? Mas ele fez diferente e buscou entusiasmo no fato de que, se ninguém usava sapatos, teria ele todo o mercado para conquistar, mudando o hábito daquele povo, que poderia passar a usar sapatos. O mercado estava totalmente aberto. Essa é uma grande lição, pois não podemos olhar o futuro com pessimismo, uma vez que as oportunidades estão se formando e começando a aparecer. A pandemia impôs sofrimento e privações, mas trouxe muitas oportunidades e aprendizado. Agora temos que pôr em prática o que aprendemos. Há muito pela frente a ser conquistado e não há limites. E para os jovens insisto na esperança, pois poderão chegar aonde quiserem, só depende deles, desde que acreditem no Brasil. Eu acredito!

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