Jurema Monteiro: A democratização do transporte aéreo
A presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas, Jurema Monteiro, traz suas opiniões e expectativas sobre o futuro do setor aéreo, que caminha para uma nova era com o avanço das tecnologias, a preocupação ambiental e o aumento da demanda doméstica
Bacharel em Turismo pela Universidade Anhembi Morumbi, com Especialização em Comunicação pela ESPM e Mestrado em Turismo pela Universidade de Brasília, Jurema Monteiro é presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR) e da Seção V de Transporte Aéreo de Cargas e de Passageiros da Confederação Nacional do Transporte (CNT). Trabalhou nas áreas de comunicação e marketing em agências de viagens e operadores de turismo. No setor público, atuou na Embratur e Ministério do Turismo, em projetos que conectavam políticas públicas e iniciativa privada, com foco na promoção e comercialização de destinos turísticos. Nesta entrevista, Jurema fala sobre a agenda de redução de custos do setor aéreo, lembrando que o Brasil cobra o QAV mais caro do mundo, além de citar o combate à judicialização excessiva como uma das prioridades da ABEAR. Outra prioridade é a jornada da descarbonização, que inclui a adoção do combustível sustentável de aviação (SAF) em substituição ao combustível fóssil. Ela alerta, contudo, que a produção de SAF deve contar com incentivos para garantir a neutralidade de custos para o setor. Segundo Jurema Monteiro, o próximo ano será importante para construir uma agenda de longo prazo para a aviação brasileira, possibilitando que mais passageiros tenham acesso ao transporte aéreo. “Temos que olhar para o fortalecimento do setor aéreo com foco na agenda de longo prazo, com união e trabalho coordenado”, afirma. Confira!
The Winners Economy&Law – A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR) foi criada há 12 anos. Qual era o contexto e o que mudou no transporte aéreo desde então?
Jurema Monteiro – Em 2012, o setor aéreo vivia o auge de uma grande década em que a aviação brasileira se desenvolveu de forma exponencial. Naquele momento, a aviação brasileira alcançava a marca de 100 milhões de passageiros transportados, e o país mobilizava esforços para a realização dos grandes eventos: a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Nesse contexto, foi criada a ABEAR com o objetivo de planejar, implementar e apoiar ações e programas que pudessem promover o crescimento sustentável da aviação, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social do país. Lembro que naquele momento o setor aéreo enfrentava grandes desafios, como a necessidade de expansão e modernização da infraestrutura aeroportuária, o enfrentamento da alta carga tributária sobre combustíveis e passagens aéreas e o aumento da competitividade do mercado. Desde então, mudanças significativas ocorreram no transporte aéreo. O programa de concessões, por exemplo, viabilizou grandes investimentos na modernização e ampliação dos aeroportos, melhorando a capacidade e a qualidade dos serviços. E a legislação brasileira foi alterada para permitir a entrada de capital estrangeiro nas companhias aéreas. Mais recentemente, a implementação de medidas sanitárias necessárias para o enfrentamento da Covid-19 alterou a experiência dos passageiros, acelerando a adoção de novas tecnologias que melhoram a eficiência e a prestação de serviços. A inovação ajudou a aperfeiçoar processos e serviços, melhorar a produtividade das empresas, mas também aumentou a competitividade do setor. A aviação sempre esteve ligada à inovação tecnológica, e isso promove ganhos para o consumidor. Imagine que há menos de 10 anos as reservas de voos eram feitas por telefone e os bilhetes emitidos à mão. Hoje, a tecnologia está presente em todas as etapas: do planejamento à operação. A Inteligência Artificial, por exemplo, tem ajudado no atendimento ao cliente, contribuindo para reduzir reclamações e dar mais agilidade às soluções em diversas etapas da cadeia do turismo. Implementado na pandemia junto com o desembarque por fileiras, o despacho automático de bagagem é a opção de seis em cada dez passageiros.
The Winners Economy&Law – A ABEAR tem se debruçado sobre uma agenda de redução de custos que abrange diversas iniciativas. Você poderia explicar o que mais pesa na cesta de custos? O querosene de aviação (QAV), por exemplo, é uma demanda histórica do setor. Como a ABEAR atua nessa frente?
JM – A ABEAR tem buscado ampliar o diálogo com diversos atores para debater a atual política de tributação e precificação, que leva o Brasil a cobrar o QAV mais caro do mundo. Para se ter uma ideia, o QAV representa 30% dos custos do setor, e as pressões externas podem elevar esse percentual. Existem soluções alternativas para o modelo vigente, e precisamos enfrentar esse desafio para elevar a competitividade da aviação comercial brasileira. Ainda dentro da agenda de redução dos custos, temos chamado a atenção para a judicialização excessiva, que já representa R$ 1 bilhão por ano para as empresas aéreas. Para se ter uma ideia, 98,5% das ações contra companhias aéreas no mundo foram ajuizadas no Brasil. Ninguém defende mudanças no direito de ação, mas o ambiente é muito protetivo para o consumidor, que já tem as regras definidas nos contratos de serviço e na Resolução 400, da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Contudo, o que chamamos de litigância predatória tem encontrado no Judiciário outras oportunidades ou lacunas que permitem um volume de ações judiciais desproporcional à qualidade dos serviços prestados pelas companhias aéreas. De acordo com a ANAC, somente 3% dos voos previstos no Brasil em 2023 foram cancelados, e 85% pousaram pontualmente.
The Winners Economy&Law – A descarbonização é outro tema em debate no setor aéreo. Vimos recentemente a sanção da Lei Combustível do Futuro. Qual é a importância desse marco para a aviação?
JM – A descarbonização é um compromisso global do setor aéreo mesmo sendo responsável por apenas 2% do total das emissões de gases de efeito estufa (GEE). A jornada da descarbonização envolve ações de curto, médio e longo prazo. Entre as ações imediatas adotadas pelas companhias estão a modernização da frota, o uso de novas tecnologias e a busca por eficiência operacional. Em parceria com o DECEA, a ABEAR e as empresas brasileiras fizeram um trabalho de aprimoramento de rotas que permitiu a redução de emissão de 196 milhões de kg de gás carbônico entre 2020 e o primeiro trimestre de 2023. Isso corresponde à absorção de CO2 de 1,2 milhão de árvores da Mata Atlântica. No caso da Lei Combustível do Futuro, recentemente sancionada pelo presidente Lula, ela cria programas nacionais para incentivar a fabricação do combustível sustentável de aviação (SAF). Nosso entendimento é que o Brasil possui potencial para liderar a produção do SAF em larga escala devido à expertise que possui na fabricação de biocombustível e ao amplo acesso a diferentes matérias primas. Portanto, o SAF é importante para o cumprimento das metas de descarbonização do setor aéreo, mas é importante que haja incentivos para garantir a neutralidade de custos. Dessa forma, é fundamental que a regulamentação do SAF garanta uma relação de oferta e demanda que permita que o preço seja competitivo em relação ao combustível fóssil.
The Winners Economy&Law – O Brasil ainda é um país que viaja pouco, menos de um voo por habitante ao ano. De que forma a ABEAR tem contribuído para a construção de políticas de estímulo à demanda? O que é preciso fazer para tornar o transporte aéreo mais democrático no país?
JM – O crescimento do turismo doméstico depende da combinação de estratégias. Como política de incentivo, a ABEAR apoiou a iniciativa “Conheça o Brasil: Voando”, uma parceria do Ministério do Turismo (MTUR) com o Ministério de Portos e Aeroportos (MPOR) e companhias aéreas. Uma das ações é o estímulo à compra de bilhetes com antecedência por meio de uma campanha nacional de promoção de destinos turísticos no país. Também defendemos a retomada dos investimentos pela indústria da aviação. Recentemente, o governo federal enviou para o Congresso um projeto de lei que estabelece uma linha de crédito no valor de R$ 4 bilhões para as companhias aéreas. Esses recursos fazem parte do Fundo Nacional de Aviação Civil, e a linha de crédito foi aprovada junto com a Lei Geral do Turismo, posteriormente sancionada pelo Presidente da República. Esses recursos podem contribuir para a sustentabilidade econômica das aéreas, beneficiando toda a cadeia do turismo.
The Winners Economy&Law – Quais são as perspectivas de recuperação do setor após a pandemia da Covid-19?
JM – Nossa expectativa é de retomada consistente do setor aéreo, e os dados mais recentes apontam nesta direção. Em 2023, por exemplo, o setor aéreo transportou 112 milhões de passageiros no mercado doméstico e internacional – um aumento de 15% em relação a 2022. Os números de 2024 corroboram essa tendência. Os dados da ANAC revelam que, em agosto deste ano, a demanda doméstica foi 9,3% maior que agosto de 2019. A oferta teve um incremento de 10%. No número de passageiros transportados, o país está apenas 1,7% abaixo de 2019, considerando o período entre janeiro e agosto. O mesmo acontece no mercado internacional, com demanda e oferta superiores aos níveis de 2019. Em agosto, por exemplo, a demanda foi 4,5% superior à do mesmo período de 2019. Já a oferta cresceu 5,6%. Desde o ano passado, as empresas têm diversificado a malha internacional, com o lançamento de novas rotas diretas para o exterior.
The Winners Economy&Law – Você assumiu a presidência da ABEAR em maio de 2023. Neste período, quais são os principais aprendizados e desafios?
JM – Quando assumi a presidência da ABEAR, o desafio imediato era liderar uma associação conduzida desde a sua fundação pelo memorável Eduardo Sanovicz, cuja experiência e histórico de trabalho são amplamente reconhecidos. Naquele momento, também era preciso compreender o que a ABEAR construiu ao longo de 12 anos de trajetória: uma voz setorial, que unificou as principais mensagens e se transformou em um canal de informação transparente e confiável para formadores de opinião e tomadores de decisão. Ao mesmo tempo em que era fundamental manter esse legado, também era necessário inovar. Então, defini a busca pela eficiência como prioridade, seja na gestão dos recursos e da estrutura, seja nas ações empreendidas em favor das empresas associadas. Meu grande aprendizado foi reconhecer a importância de uma boa rede de apoio que construí graças ao suporte de nossas associadas e do time ABEAR, sem falar na minha família, o que me permitiu enfrentar os desafios. É preciso ressaltar que, embora o setor aéreo tenha recomposto a demanda e a oferta em relação ao ano de 2019, hoje, cada empresa vive a sua realidade, e unificar essa agenda é um grande desafio. Nosso trabalho consiste em manter a relevância conquistada pela ABEAR ao longo de 12 anos e destacar o valor da aviação para o nosso país, com foco na eficiência e em iniciativas que nos permitam incluir cada vez mais pessoas e democratizar o transporte aéreo.
The Winners Economy&Law – Sua carreira abrange as mais diferentes áreas dentro do turismo. Como a senhora enxerga essa versatilidade definindo a profissional que é hoje?
JM – Quando busquei a formação na área do turismo, fui motivada pela paixão que era viajar e também por algo que eu ainda não tinha clareza, mas que foi intuitivo, ou seja, buscar uma formação em uma área que permitisse meu desenvolvimento pessoal e a contribuição para o desenvolvimento social. Ao longo da minha carreira, percebi a necessidade de expandir meus conhecimentos, o que me levou à pós-graduação e ao mestrado em comunicação. Somado à minha trajetória profissional nos setores público e privado, pude aprimorar minhas competências e consolidar essa vivência ampla e diversa, que acaba sendo traduzida nessa versatilidade que me permite contribuir com as instituições onde já trabalhei e onde estou atualmente.
The Winners Economy&Law – Por que há tão poucas mulheres em cargos de liderança no turismo e como isso pode ser mudado?
JM – A igualdade de gênero nos cargos de liderança e gestão é tema que deveria estar superado, mas não está. A falta de diversidade se repete em outros setores econômicos. Muitas mulheres trabalham duro pelo fortalecimento do turismo, e isso precisa ser valorizado. É possível melhorar a representação feminina nas organizações com a adoção de mecanismos que estimulem a diversidade. No setor aéreo, aderimos, por exemplo, ao 25by25, iniciativa global e voluntária da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) para aumentar a representação feminina no setor da aviação. Até o momento, 181 companhias aéreas e organizações já aderiram, com o objetivo de mudar as principais métricas de diversidade e inclusão do setor. Este compromisso foi criado em 2019, com a meta de ampliar em pelo menos 25%, até 2025, o número de mulheres em cargos de liderança e em áreas sub-representadas.
TWE&L – Como você vê o retorno da Azul para o quadro de associadas da ABEAR?
JM – É muito positivo ter a Azul de volta à ABEAR. Ao longo dos últimos anos, a indústria da aviação viveu a maior crise da sua história, e este movimento consolida o trabalho desenvolvido pelo setor aéreo no sentido de fortalecer e unir as empresas com a perspectiva de implementação de uma agenda de longo prazo. O setor vive um momento desafiador, com a alta do câmbio, dos juros e do preço do QAV pressionando fortemente os custos da aviação. Então, o retorno da Azul é uma oportunidade para a construção de uma agenda que contemple medidas estruturantes para melhorar o ambiente de negócios do setor, aumentar a competitividade e democratizar o transporte aéreo no país.
The Winners Economy&Law – Quais serão os principais temas na agenda da ABEAR e do setor aéreo em 2025?
JM – Nos últimos anos e até em 2024, enfrentamos pautas emergenciais, como o fechamento do Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, e a construção de uma malha emergencial para garantir a conectividade do estado. Em 2025, temos que olhar para o fortalecimento do setor aéreo com foco na agenda de longo prazo, união e trabalho coordenado. O Brasil tem superado os números de 2019, mas ainda não conseguiu dar um salto como aquele que ocorreu entre 2000 e 2015. Naquele período, saímos de 30 milhões para 100 milhões de passageiros transportados por ano. Não que a gente vá reproduzir aquele desempenho e alcançar 200 milhões de passageiros. Mas considerando um exercício de 140 ou 150 milhões de passageiros, quais são as nossas necessidades? Infraestrutura, formação de mão de obra? Acredito que 2025 seja o momento de trabalhar por mais união para a construção de uma agenda de longo prazo para a aviação brasileira.
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