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No mundo

Hardin, coase e a preservação da Amazônia

24/04/2020 16:02 | Atualizado há 1 ano
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Artigo escrito por Eduardo Marson, Empresário, ex-CEO do Airbus Group Brasil, sócio na Global Forest Bond
Artur Villela Ferreira, Pesquisador do Grupo de Economia da Infraestrutura e Soluções Ambientais da FGV, sócio na Global Forest Bond

O Brasil é um país constantemente lembrado pela pujança de seus recursos naturais. Belas praias, rios que garantem a maior oferta de água doce do mundo e, em especial, alguns dos biomas mais importantes e diversos, dentre eles a Amazônia.

Com toda essa riqueza de recursos, era de se esperar que a natureza fosse vista como grande provedora, base para o desenvolvimento econômico.

Mas não é o que acontece.

Os biomas nativos são vistos como um entrave ao crescimento da economia. Dividimos as terras entre produtivas, com lavoura e gado, e improdutivas, que possuem “apenas” floresta. De onde vem essa separação?

Obviamente não devemos ser ingênuos de considerar que produtores rurais desconhecem a importância dos serviços ecossistêmicos prestados pelas áreas de florestas nativas. Desde pequenos proprietários em agricultura familiar até grandes indústrias do agronegócio entendem bem que a redução da área de florestas impacta no clima, regime de chuvas e degradação do solo.

Sabem também que tanto os compradores de produtos do agronegócio quanto os grandes investidores institucionais são cada vez mais exigentes quanto à observância de práticas sustentáveis na cadeia de valor. Por que, então, continuamos tratando nossos biomas como “improdutivos”?

A resposta pode estar no artigo “A Tragédia dos Comuns” (i), escrito pelo britânico Garrett Hardin na revista Science em 1968. Nela Hardin utilizou a criação de ovelhas nas pastagens de livre acesso (Com mons) na Inglaterra como pano de fundo para estudar o que acontece com recursos em situação onde não há pagamento por seu uso, são recursos “gratuitos”.

Imaginemos um pasto utilizado por dez famílias e que suporte cem ovelhas pastando, dez por família. Se todos os pastores levarem dez ou menos ovelhas para pastar, não há problema. O dilema surge quando, por qualquer motivo, esse limite é ultrapassado.

Aqueles “espertos” que levaram mais de dez ovelhas recebem a totalidade do benefício marginal, e todo o conjunto daquela população divide igualmente os custos da degradação do pasto, ou seja, lucro individualizado e prejuízo coletivo.

A partir desse ponto, começa uma corrida por recursos na qual cada um é incentivado a levar o maior número de ovelhas no próximo ano para aproveitar o máximo do pasto que está se degradando. Obviamente o resultado é a falência do sistema no longo prazo.

Atualmente, vivemos uma tragédia dos comuns global: os biomas nativos, entre eles nossas belas florestas Amazônica e Atlântica, fornecem serviços indispensáveis para toda a humanidade, como captura e estoque de carbono, contribuição com o ciclo hídrico, regulação climática, proteção de fauna e flora, entre diversos outros.

Apesar disso, os proprietários dessas terras, públicos ou privados, não recebem pagamento por esses serviços.

Sem sinal de preço, cria-se o incentivo para que eles substituam as florestas de suas terras por lavoura ou pasto. Cada um certamente entende a importância dos biomas, mas sem receber por sua preservação, os donos de terras não têm incentivo para conservá-los em benefício da coletividade.

Assim como com os pastores do Hardin, essa situação não é sustentável. Atualmente a humanidade consome 75% mais recursos naturais por ano do que os sistemas naturais são capazes de regenerar (ii). Esse “cheque especial ambiental”, descontado principalmente com queima de combustíveis fósseis e desmatamento dos biomas, já é utilizado desde o início dos anos 70! São cinquenta anos operando “no vermelho”.

E a conta está chegando. A questão da gestão dos serviços ecossistêmicos (aqueles gerados pelos biomas) deveria ser de extrema importância para o Brasil.

O país apresenta o maior “superávit ambiental” do mundo (iii), calculado como a diferença entre a bioprodutividade, a capacidade de nossos ecossistemas de gerar recursos anualmente, e nossa pegada ecológica, o consumo total de recurso dos sistemas produtivos.

Em julho de 2019, em meio aos incêndios na Amazônia, que ganharam manchetes mundialmente, o Ministro da Economia Paulo Guedes defendeu que o Brasil seja remunerado pelos direitos de propriedade do oxigênio produzido na Floresta Amazônica (iv).

Apesar de o ministro ter uma noção desatualizada da Amazônia como “pulmão do mundo” (v), Guedes acerta em cheio por outro lado: a floresta é grande geradora de recursos que são utilizados no Brasil e no Mundo, sem recebermos qualquer compensação financeira.

Resolver o problema de sobreconsumo dos recursos gerados pelos biomas naturais, como na Amazônia , não é tão simples quanto cercar pastos para ovelhas. Apesar disso, Guedes está correto em colocar a definição dos direitos de propriedade como um bom primeiro passo.

É preciso difundir o entendimento de que a floresta estoca carbono, regula o clima, contribui com o ciclo hídrico, protege a biodiversidade, entre tantos outros serviços, e que esses serviços possuem um valor, logo, devem forçosamente ser remunerados.

Ao alocar aos proprietários de terras com florestas preservadas o direito sobre os serviços ambientais prestados pela manutenção dos biomas nessas terras e possibilitar que negociem esses direitos com indústrias que consomem recursos, é possível criar incentivos para acabar ou até mesmo reverter o atual quadro de desmatamento crescente (vi).

No ano de 1960, o britânico Ronald Coase publicou “O Problema do Custo Social” (vii), artigo que o levaria a ganhar o Prêmio Nobel de economia três décadas depois. O artigo é a base para o chamado Teorema de Coase, que indica o caminho para lidar com mercados onde há externalidades – no caso, positivas – como o de preservação florestal.

Em economia, externalidades são os efeitos colaterais de uma decisão sobre aqueles que não participaram dela. Existe uma externalidade quando há consequências para terceiros que não são levadas em conta por quem toma a decisão.

Coase argumenta que é possível atingir a melhor solução para todas as partes envolvidas, a chamada “alocação ótima dos recursos”, por meio de trocas voluntárias entre agentes econômicos.

Para isso, além da definição clara dos direitos de propriedade, são colocados como requisitos que todos tenham as mesmas informações (baixa assimetria de informação) e que sejam utilizados instrumentos de negociação eficientes (baixo custo de transação).

Qualquer alternativa para a remuneração dos serviços ecossistêmicos prestados pela preservação dos biomas deve ter como objetivo reunir todas essas características. A baixa assimetria de informação possibilita a todas as pessoas e empresas estarem na mesma página quanto ao volume de serviços ecossistêmicos prestados por uma área de floresta preservada.

Dessa forma, os consumidores são capazes de identificar qual o nível de impacto daquilo que consomem e o que as empresas estão fazendo para garantir a reposição dos recursos naturais que utilizam.

Da mesma forma, uma “bolsa de direitos ambientais”, como o ministro Guedes sugeriu, precisa de instrumentos financeiros que possibilitem a comercialização eficiente dos direitos sobre os serviços ambientais. Esses instrumentos reduzem o custo de transação dos direitos sobre os recursos naturais gerados em áreas preservadas.

Esse é o pano de fundo teórico por trás da criação da Global Forest Bond, empresa brasileira que desenvolveu uma metodologia inovadora para a rentabilização dos serviços ecossistêmicos. A metodologia é baseada no fato de que a conservação florestal é uma atividade econômica, reconhecida pelo IBGE (viii), dentro das atividades agrícolas.

Dessa forma, é possível utilizar títulos financeiros do agronegócio, como a Cédula de Produto Rural (CPR) e a Cessão de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA) para transacionar os direitos sobre os serviços ecossistêmicos.

Isso garante que os proprietários rurais, privados ou públicos, recebam pelos serviços prestados pelos biomas sob sua responsabilidade.

Por serem instrumentos consagrados no mercado de títulos financeiros, os ativos de preservação florestal podem ser negociados em bolsas de valores, ficando acessível a todos os agentes econômicos e garantindo um custo de transação muito baixo.

Além disso, desenvolvemos uma plataforma eletrônica que concentra todos os dados dos inventários florestais que lastreiam os títulos. Dessa forma, fica claro para todas as partes envolvidas as características das áreas preservadas e sua contribuição em termos de serviços ecossistêmicos, nas escalas local e global.

A rastreabilidade em blockchain, sistema que garante a integridade e validade de transações eletrônicas de um processo, possibilita que as empresas que compram esses ativos para compensar seu uso de recursos imprimam QRCodes em seus produtos finais, que podem ser auditados pelos clientes e organizações ambientais.

Por fim, a emissão dos títulos ocorre anualmente, após comprovado um ano de preservação. Isso garante que são comercializados apenas os serviços já realizados, o que é de suma importância para os investidores nesses títulos que não precisam correr risco de comprar um ativo com chance de “não-performance”.

Não há venda de serviços futuros e o risco da preservação nos anos seguintes é totalmente do dono da terra: se não for capaz de manter seu bioma, não conseguirá emitir novos títulos no próximo ano.

Desse modo, o incentivo para a preservação futura é a renda que virá de mais um ano de floresta intocada. Com isso, fecha-se o ciclo das características necessárias para um bom mercado de serviços ecossistêmicos.

O Brasil é o país com maior potencial ambiental. O último relatório do Painel Intergovernamental para Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) aponta um valor de U$ 3,6 trilhões para os serviços ecossistêmicos brasileiros, mais do que todo o PIB do país (ix)!

Construir soluções que permitam o melhor aproveitamento dessas que talvez sejam as maiores riquezas brasileiras depende de esforços que aliem as melhores práticas em finanças, economia e ciência ambiental. É mais do que urgente para a humanidade enfrentar a questão do uso irracional de recursos, de forma pragmática e técnica, sem esconder ou fugir dos fatos.

Nesse cenário, o Brasil precisa escolher se liderará a transição para uma nova economia ou se será apenas um observador da história.

i – “The Tragedy of the Commons”, HARDIN, Garrett, Science, 1968 – https://science.sciencemag.org/content/sci/162/3859/1243.full.pdf

ii – “Past Earth Overshoot Day”, The Footprint Network – https:// www.overshootday.org/newsroom/past-earth-overshoot-days/

iii – “Pegada ecológica e biocapacidade”, The Footprint Network, 2019 – http://data.footprintnetwork.org/#/?

iv – “Paulo Guedes quer negociar o oxigênio da Amazônia”, O Estado de São Paulo, 2019 – https://economia.estadao.com.br/ noticias/geral,queremos-manaus-capital-mundial-de-bolsa-deoxigenio-diz-guedes,70002938533

v – “A Amazônia não é o pulmão do mundo”, LOPES, Reinaldo José, Super Interessante, 2016 – https://super.abril.com.br/ciencia/ a-amazonia-nao-e-o-pulmao-do-mundo/

vi – “Alertas do INPE indicam alta de 40% em desmate da Amazônia. Governo Contesta”, GIRARDI, Giovana, O Estado de São Paulo, 2019 – https://sustentabilidade.estadao.com.br/ noticias/geral,alertas-do-inpe-indicam-alta-de-40-em-desmatena-amazonia-governo-contesta,70002950037

vii – “The Problem Of Social Cost”, COASE, Ronald, Journal of Law and Economics, 1960 – http://home.cerge-ei.cz/ortmann/UpcesCourse/ Coase%20-%20The%20problem%20of%20Social%20Cost.pdf

viii – IBGE

ix – Media Release: Biodiversity and Nature’s Contributions Continue Dangerous Decline, Scientists Warn – https://ipbes.net/news/mediarelease-biodiversity-nature%E2%80%99s-contributions-continue%C2%A0dangerous-decline-scientists-warn

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