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No mundo

Arbitragem avança no Brasil, com bilhões na mesa

07/11/2023 16:32
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Em 2005, havia apenas 21 processos arbitrais no Brasil, que tinham em jogo R$ 247 mil. Dez anos depois, já se somavam 222 novos casos, e entre 2021 e 2022, 658

A arbitragem é um método alternativo de resolução de conflitos que ganhou crescente importância no campo do Direito Empresarial no Brasil. Ela oferece às empresas uma alternativa eficiente e especializada para resolver disputas, muitas vezes evitando a morosidade e a complexidade do sistema judiciário tradicional. Regulamentada no Brasil em 1996, a arbitragem permite que discussões entre duas empresas sejam resolvidas nas câmaras especializadas ao invés de ocupar o Judiciário, trazendo maior celeridade e precisão aos processos. Segundo dados agrupados com algumas das maiores instituições arbitrais pelo Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr), a quantidade de arbitragens entrantes no país, por ano, cresceu 150% entre 2010 e 2021. Já os valores envolvidos nos processos, por ano, cresceram cerca de 20 vezes, evoluindo de R$ 2,8 bilhões em 2010 para R$ 55,2 bilhões em 2021, chegando ao valor acumulado no período de R$ 409,7 bilhões. Há outro dado, da Advocacia-Geral da União (AGU), que diz que somente as agências reguladoras são parte em 22 casos, que, juntos, têm mais de R$ 500 bilhões em jogo. Além disso, a participação da administração pública cresceu muito nos últimos anos. Saltou 33% em quantidade de novos procedimentos de 2021 para 2022 e, no fim do ano passado, os casos em andamento representavam 11% do total registrado nas principais câmaras do país. Também vale registrar os dados gerais, que são de autoria da advogada e professora Selma Lemes, e é um dos mais tradicionais do mercado, servindo como referência a profissionais da área. A primeira edição do compilado realizado por Selma é de 2005 e o último foi concluído em setembro, remetendo ao que foi registrado em 2021 e 2022. Para se ter uma ideia do avanço deste segmento do Direito, em 2005 havia apenas 21 processos arbitrais, onde estavam na mesa R$ 247 mil, para discussão. Dez anos depois, já se somavam 222 novos casos. E entre 2021 e 2022, foram contabilizados 658 novos procedimentos totalizando R$ 95 bilhões. Com isso, as câmaras de arbitragem registraram recordes de casos. No ano de 2021 eram 1.047 e no final de 2022, estavam tramitando 1.116 procedimentos arbitrais, o que representa uma alta de 7% sobre o ano anterior.

A mediação e a arbitragem

A mediação e a arbitragem são duas formas alternativas de resolução de disputas (ADR, na sigla em inglês) que oferecem maneiras diferentes de resolver conflitos fora do sistema judicial tradicional. A principal diferença entre esses dois métodos está na forma como a disputa é resolvida e no papel do terceiro neutro envolvido. Aqui estão as principais distinções entre mediação e arbitragem:

Mediação:

Processo Voluntário: A mediação é um processo voluntário em que as partes envolvidas em uma disputa concordam em participar. Ninguém é forçado a seguir adiante com a mediação se não desejar.

Papel do Mediador: Um mediador atua como um terceiro imparcial que facilita a comunicação entre as partes. O mediador não toma decisões ou emite julgamentos; seu papel é ajudar as partes a identificar suas preocupações, interesses e encontrar soluções mutuamente aceitáveis.

Não Vinculativo: As soluções encontradas na mediação não são vinculativas. Isso significa que as partes não são obrigadas a aceitar um acordo e podem optar por encerrar o processo de mediação a qualquer momento.

Controle das Partes: As partes mantêm o controle sobre o resultado da disputa. Elas são responsáveis por chegar a um acordo e podem ou não chegar a uma resolução.

Confidencialidade: A mediação é geralmente confidencial, o que significa que as discussões e informações apresentadas durante o processo de mediação não podem ser usadas em um tribunal, caso a mediação não tenha sucesso.

Arbitragem:

Processo Contratual: A arbitragem é muitas vezes uma opção estipulada por contrato. As partes concordam em resolver qualquer disputa por meio da arbitragem quando assinam um contrato que contenha uma cláusula arbitral.

Papel do Árbitro: Um árbitro ou um painel de árbitros age como juízes privados na arbitragem. Eles ouvem as evidências apresentadas pelas partes, aplicam a lei pertinente e emitem uma decisão vinculativa, chamada de “sentença arbitral”.

Vinculativo: As decisões da arbitragem são vinculativas, o que significa que as partes devem cumprir a sentença arbitral. Em geral, há limitadas opções de recurso para contestar uma sentença arbitral.

Menos Controle das Partes: As partes têm menos controle sobre o processo e o resultado da arbitragem do que na mediação. A decisão final é tomada pelos árbitros, não pelas partes.

Confidencialidade (dependendo do contrato): A arbitragem pode ser confidencial, mas isso depende das regras estipuladas no contrato de arbitragem. Em alguns casos, as partes podem optar por manter o processo confidencial, enquanto em outros, as decisões arbitrais podem se tornar públicas.

 

Em resumo:

A principal diferença entre mediação e arbitragem é o papel do terceiro neutro e o resultado do processo. A mediação é um processo de resolução de conflitos onde um mediador facilita a comunicação entre as partes para que elas cheguem a um acordo por conta própria. Já a arbitragem envolve um árbitro ou um painel de árbitros que emite uma decisão vinculativa para as partes envolvidas na disputa. A escolha entre esses métodos dependerá das circunstâncias e das preferências das partes.

Mediação de conflitos reduz de anos para dias a espera por solução

Conhecida como uma modalidade similar à arbitragem, a mediação chegou no fim dos anos 2000 e se tornou mais conhecida somente em 2015, com o Marco Legal – publicação da Lei nº. 13.140/2015 e do novo Código de Processo Civil (CPC). O procedimento já é previsto na Constituição Federal e a Convenção de Singapura a reconhece internacionalmente. É possível utilizar a mediação em vários segmentos: civil, familiar, empresarial, administração pública, trabalhista, criminal (lesões de menor potencial ofensivo) e outros. Pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito SP) aponta que em 2012 houve 26 requerimentos de mediação em sete câmaras do país, enquanto no ano de 2021, o número subiu para 120 – um crescimento de 361%. Em relação à quantidade de mediações iniciadas, ainda considerando o mesmo período, subiu de 22 para 90 processos – mais de 300% de aumento.

Caso real

Maria Cristina Monteiro foi surpreendida pela advogada Valéria Santana com um convite para participar de uma mediação de conflitos sobre o recebimento de honorários advocatícios. O escritório de advocacia que assumiu o inventário após a morte da mãe, se habilitou para representar a herdeira no processo judicial de recebimento de um título de Requisição de Pequeno Valor (RPV). Porém, o escritório não identificou que há mais de 15 anos o processo havia sido instaurado e diligenciado por outra advogada, a Valéria, que trabalhou até a sentença que favoreceu a falecida cliente, ou seja, atuou em 2/3 das etapas da ação. Antes que houvesse um litígio judicial, Valéria formalizou o seu pedido de mediação privada, junto ao site da Câmara de Mediação de Conflitos (CaMC) da Ordem dos Advogados do Brasil – Vertente privada (OAB-RJ). Nos dois encontros – que ocorreram de forma virtual e somaram pouco mais de duas horas –, Maria Cristina compreendeu a legitimidade da solicitação e concordou em pagar 20% sobre o valor bruto da RPV para Valéria, a partir do pagamento por parte do INSS. As partes complementaram o acordo para que a advogada seguisse representando Stella Maria Monteiro – desta vez na figura da filha – no processo que tramita na Justiça Federal. A mediação vem ganhando cada vez mais mercado no Brasil por ser muito mais ágil do que o Judiciário e com garantia de confidencialidade. “Considerando que um processo judicial – civil, em média, em primeira instância, hoje, está levando entre três e quatro anos, foi um grande ganho para as partes resolverem em 30 minutos de call para compreender o convite e mais duas horas de procedimento”, conta Paula Mark Sady, mediadora do caso, co-fundadora e ex-coordenadora executiva da CaMC-OAB/RJ. Procedimento de resolução de controvérsias sem a interferência do Estado, na mediação as partes celebram um acordo com o auxílio de um profissional devidamente capacitado, especializado e certificado – o mediador –, a modalidade traz ainda outra vantagem: ninguém perde, todos ganham. “Na mediação, as necessidades das partes são atendidas porque há um acordo, não há perdedores, é win-win. São elas que co-constroem a solução com o auxílio do mediador, um terceiro imparcial e sem poder decisório. Não há mais como não reconhecer o instituto da mediação como procedimento eficiente e sustentável para a manutenção das relações em um mundo conectado virtualmente e com demandas mutáveis a cada segundo, com tantos estímulos gerados por conta dos avanços incríveis da humanidade”, explica Paula que também é diretora executiva da Câmara Especializada em Mediação e Arbitragem Imobiliária (Cemai).

Paula Mark Sady, co-fundadora e ex-coordenadora executiva da CaMC-OAB/RJ

CBAr lança documento para uniformizar diretrizes

O Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) realizou em setembro, o 22º Congresso Internacional de Arbitragem e tratou sobre o papel da arbitragem para a resolução de disputas relacionadas aos contratos empresariais. O evento, que reuniu mais de 50 especialistas nacionais e internacionais no Rio de Janeiro, trouxe à tona os mais recentes debates envolvendo a utilização da arbitragem como mecanismo de resolução de disputas relacionadas a contratos empresariais, além de debater a sua influência em setores da economia como agronegócios, petróleo e gás, energia elétrica e desportes. “O evento é um grande marco uma vez que a troca de experiências permite aprimorar o uso da arbitragem como peça-chave na resolução de conflitos, de forma rápida e efetiva. Devemos destacar que o Brasil levou mais de duas décadas para se consolidar como um país respeitado mundialmente em matéria de arbitragem, como é hoje”, diz André Abbud, presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr). Durante o evento, foi produzido um documento com diretrizes sobre o dever de revelação do árbitro, com o objetivo de consolidar práticas e uniformizar conceitos. Em entrevista à Economy&Law, André Abbud fala mais sobre isso e discorre a respeito do cenário da arbitragem no Brasil.

The Winners Economy&Law – Existem eventuais melhorias a serem feitas na legislação para a arbitragem no Brasil?

André Abbud – A arbitragem é baseada no conceito de que é uma resolução privada de conflitos, escolhida pelas partes. E, por ser um instituto privado já regulamentado, não identificamos a necessidade de alterações na legislação para aprimoramento da arbitragem. Ao contrário, qualquer alteração na lei vigente pode trazer distorções com relação ao que é realizado nos outros países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], por exemplo, o que traria insegurança jurídica para investidores internacionais. Por ser um meio privado de resolução de conflitos, cabe ao próprio mercado a autorregulação, visando o aprimoramento da prática no país. Neste sentido, o CBAr lançou durante o Congresso Internacional (em setembro), um documento de diretrizes sobre o dever de revelação do árbitro, elaborado em parceria com câmaras arbitrais e especialistas em arbitragem comercial. O objetivo é consolidar as melhores práticas e uniformizar conceitos, ajudando a orientar as condutas dos agentes e definir o que esperar dos árbitros e das partes, e conseguimos fazer isso sem a necessidade de alterações na legislação. TWE&L – Por quê se judicializa tanto no Brasil? AA – Sendo mais preciso, quando falamos de arbitragem, a judicialização é baixíssima no país. A última pesquisa da professora Selma Lemes, que estuda o setor e atualiza o estudo anualmente, indica que os pedidos na Justiça de impugnação de árbitros, por exemplo, atingiram 4,65% dos casos que estavam em andamento nas oito principais câmaras de arbitragem do país, no ano de 2022. Em números absolutos, são 52 solicitações em 1.116 litígios. E, se considerarmos somente os pedidos acolhidos pela Justiça e que geraram o afastamento do julgador, o percentual cai para 0,98%. Acredito que alguns casos de arbitragem que foram levados ao Judiciário por uma das partes ganharam notoriedade e, por isso, dão a impressão de que a arbitragem no país tem alta judicialização. Mas os dados mostram que a realidade é o contrário desta percepção, e vem sendo assim desde 1996.

TWE&L – Existe uma tendência de alta nos casos de arbitragem. Porquê?

AA – A tendência é de alta constante desde a regulamentação da prática no Brasil, em 1996. Segundo a pesquisa recentemente divulgada pela professora Selma Lemes, que estuda o setor anualmente, a arbitragem no Brasil superou a marca de 1 mil disputas em tramitação nas principais câmaras do país nos últimos dois anos. E, falando pela análise do CBAr, esta curva ascendente ocorre por três motivos principais. O primeiro é por ser algo relativamente novo no país e com espaço para ser cada vez mais usado. Antes, todo e qualquer litígio envolvendo parte ou partes brasileiras era resolvido na Justiça ou em câmaras de arbitragem fora do Brasil. O segundo é a agilidade e a precisão que a arbitragem oferece, na comparação com o Judiciário. Conflitos que demorariam anos para serem apreciados pela Justiça comum são resolvidos, em média, em menos de dois anos pela arbitragem, e envolvem especialistas no setor da matéria em discussão, complementando o trabalho dos advogados envolvidos. O terceiro é a redução do custo dos litígios. Ao ser mais ágil e precisa, além de realizada no Brasil, não mais em câmaras fora do país, a arbitragem brasileira oferece um custo inferior do que seria direcionado para os conflitos. É só comparar com o custo de conflitos que duram décadas na Justiça comum ou com o investimento em dólar ou em euro para fazer a arbitragem fora do país.

TWE&L – Este mercado dentro do Direito crescerá ainda?

AA – Dentro do Direito a tendência é de crescimento, pelo fato de existirem diversas funções inerentes à prática, que vão desde o funcionamento das câmaras de arbitragem, com secretários, presidentes, vice-presidentes e corpo administrativo, até a figura do árbitro, que não é obrigatório que seja um advogado, mas que geralmente conta com pelo menos um profissional de Direito na formação dos tribunais. Segundo dados que reunimos no CBAr, a quantidade de arbitragens entrantes no país por ano cresceu 150% entre 2010 e 2021 e os valores envolvidos nos processos por ano cresceram cerca de 20 vezes neste período, alcançando R$ 55,2 bilhões em 2021.

André Abbud, presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr)

TWE&L – O mercado brasileiro é maduro em relação ao restante do mundo?

AA – Hoje o mercado brasileiro é um dos mais reconhecidos na arbitragem. Os valores envolvidos nas causas já são relevantes, o mercado está em crescimento e temos regulamentação alinhada com as melhores práticas definidas pela ONU e em consonância com a regulamentação dos países membros da OCDE. Temos um mercado consolidado com dezenas de câmaras arbitrais e milhares de profissionais atuando como árbitros. Como referência, realizamos anualmente nosso congresso internacional e este ano, assim como em 2022, os mais de 600 ingressos esgotaram-se três meses antes do evento. As empresas no Brasil, hoje, não buscam mais câmaras de arbitragem fora do país e começamos a ver o fluxo inverso do que ocorria antes de 1996: empresas de países onde não há um ambiente de arbitragem instituído procurando as câmaras de arbitragem no Brasil para eventuais litígios.

TWE&L – Que tipos de empresas estão optando pela arbitragem e mediação?

AA – Empresas de todos os setores. No congresso internacional de 2022, por exemplo, tivemos painéis sobre a arbitragem e startups, ESG e mercado financeiro. Agora, em 2023, debatemos setores regulados como óleo e gás e energia, além de Direito Desportivo, em crescimento com as SAFs, e o agro. Segundo a pesquisa da professora Selma, a maioria dos conflitos em 2022 envolveu questões societárias, de energia, construção e trabalhista. Há destaque para empresas públicas que, ao firmarem contratos de concessões, PPPs e outros modelos de negócios com a iniciativa privada, também optam por inserir cláusulas de arbitragem em seus contratos e são parte de processos arbitrais via AGU.

TWE&L – Arbitragem e mediação são só para os grandes?

AA – O que acaba ganhando notoriedade são os grandes casos. Mas a arbitragem está cada vez mais difundida geograficamente no país, sobretudo com as fronteiras financeiras e comerciais cada vez mais espalhadas, e em diferentes tamanhos de empresas e valores em disputa. Até porque, por ser mais ágil e precisa, a arbitragem acarreta um custo menor para as partes em qualquer litígio e, muitas vezes, é melhor para a empresa a certeza de uma decisão rápida do que passar duas ou três décadas mantendo financeiramente uma discussão que está no Judiciário. Segundo a pesquisa da professora Selma, em 2021 e 2022 foram registrados 658 novos procedimentos arbitrais, em um total de R$ 95 bilhões em disputa. Isso dá uma média de R$ 144 milhões em disputa por causa. Este valor já poderia envolver negócios de empresas médias e grandes, não só gigantes, e, se considerarmos que alguns litígios superam muito esta média, é plausível concluir que empresas de diversos portes já estão usando a arbitragem para resolução de conflitos.

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