Antônio Claret de Oliveira – da sólida carreira na iniciativa privada ao comando de uma estatal
Natural de Lavras, MG, ele se tornou um dos maiores conhecedores do setor aeroportuário do Brasil. Recebeu a tradicional educação mineira das famílias descendentes de imigrantes italianos, graduando-se em Engenharia Agronômica pela UFLA (Universidade Federal de Lavras). É casado com a educadora e psicopedagoga Maria Cristina e é pai de três filhos: Antônio Claret Júnior (advogado), Guilherme (médico) e Helena (advogada). Também é avô de quatro netos: João Antônio, Gabriel, Maria Antônia e Pedro. Claret, como é chamado pelos amigos, se intitula um daqueles “velhos românticos” que ainda choram no desfecho dos filmes. Cristão, ele acredita que é preciso “parar de olhar para a gente mesmo e começar a olhar para o mundo e para o próximo”. O voluntariado faz parte de sua rotina, assim, ele procura entender mais sobre os seres humanos e nosso papel neste mundo. Adora aprender muitas coisas, e o vinho tem sua atenção nos momentos de descanso; atualmente, ele e um grupo de amigos participam da produção do Gracias a la vida, um vinho tinto na região de Mendoza, na Argentina. Do ponto de vista econômico, ele diz que não dá lucro, dá prejuízo, mas do ponto de vista da vida “é uma alegria só”, pois é prazeroso estar junto dos amigos em alguma atividade. Esse homem soube unir sua vida e carreira, construindo uma base sólida e uma reconhecida carreira na engenharia. Possui pós-graduação em Engenharia da Qualidade (PUC- -MG), Gestão de Controle e Qualidade (Juse – Union of Japanese Scientists and Engineers), Gestão de Negócios (IBMEC) e em Gestão da Sustentabilidade (Fundação Dom Cabral). Em março de 1978, ingressou na Vallourec Soluções Tubulares do Brasil S.A. como engenheiro de produção, onde passou por vários cargos até assumir a direção de Desenvolvimento Sustentável e Relações Corporativas. Também foi gestor de relevantes projetos ligados à sustentabilidade e ao cenário internacional. Assumiu a responsabilidade de estruturar e dirigir o Núcleo de Projetos da Fundação Odebrecht. Atuou como diretor-geral da Vetorial Energética, no estado de Mato Grosso do Sul. Foi coordenador do programa de pós-graduação em sustentabilidade do Ietec-MG e diretor-presidente da Ecocarb. No cenário brasileiro, por quatro anos, destacou-se como presidente da Sociedade de Investigações Florestais (SIF), uma das instituições mais importantes do país, que fomenta a integração universidade-empresa e ainda foi o primeiro vice-presidente do FSC-Brasil, uma das principais certificadoras de atividades sustentáveis em nível internacional. Foi membro titular do Conselho de Administração do Instituto Estadual de Florestas (IEF-MG), exercendo a função de cientista de notório valor e de destacada atuação na área florestal, sendo nomeado por meio de ato assinado pelo governador do estado de Minas Gerais. Também foi presidente da Câmara da Indústria de Base Florestal da Federação das Indústrias do estado de Minas Gerais (FIEMG) e conselheiro da Associação Brasileira de Empresas de Florestas Plantadas (Abraf). Participou de cursos e programas em áreas técnicas de engenharia, gerenciamento e logística no Brasil e no exterior (Estados Unidos, Canadá, Japão, Suécia, Portugal, Espanha, Alemanha e Austrália). Nesses países, teve participação de destaque na apresentação de trabalhos científicos em seminários, congressos e simpósios, sempre evidenciando o uso sustentável dos recursos naturais e de ações socialmente justas, com foco na perpetuação e melhoria dos resultados. Então, em 2 de junho de 2016, iniciou seu legado no setor aeroportuário do país ao assumir a presidência da Infraero (Aeroportos do Brasil), onde consolidou a governança aderente praticada pelas melhores empresas do ramo, maximizando os resultados dos aeroportos, aproximando-se da base da empresa e incentivando as lideranças a aprimorarem continuamente a gestão. Foram dois anos de uma administração sólida, que se destacou pela modernização e pela conversão de R$ 220 milhões negativos de custo operacional, em 2015, para R$ 505 milhões positivos, em 2017. Desde 14 de janeiro de 2019 é o diretor-superintendente da São Paulo Aeroportos, onde já deixou como grande marca a concessão dos 22 aeroportos regionais para a iniciativa privada, com investimentos previstos de R$ 447 milhões nos próximos trinta anos no estado de São Paulo. Sua passagem por grandes empresas propiciou uma carreira de destaque em serviços prestados à sociedade brasileira e culminou em prêmios relevantes, como a comenda de “Executivo Público da Década” em 30 de outubro de 2018, conferida pelo Global Council of Sustainability & Marketing (GCSM) em São Paulo. Sua vida deixa ensinamentos de um homem voltado a um propósito e que segue seus objetivos. Conheça os caminhos percorridos e as experiências compartilhadas desse grande gestor.
The Winners – O senhor se formou em Engenharia Agronômica e atuou por muito tempo em grandes empresas com foco em produção sustentável, e mesmo com essa carreira sólida assumiu a presidência da Infraero em 2016. Como foi essa mudança de ramo de atuação em sua carreira e quais foram os desafios?
Antônio Claret de Oliveira – Eu sou engenheiro agrônomo (graduação), e depois acabei me especializando nas áreas de gestão de qualidade. Passei por um treinamento no Japão, no maior centro de qualidade conhecido na época, a famosa Juse (União Japonesa de Engenheiros Cientistas), que tinha o mestre da qualidade: professor Ichiro Miyauchi. Então, a minha história foi voltada para esse lado. Ainda muito jovem, com 23 anos, eu me formei e escolhi trabalhar numa empresa grande. Eu tinha uma tendência a ficar na escola, porque sempre gostei muito de ciência e de pesquisa, mas quis partir para uma iniciativa mais empresarial e acabei entrando em uma multinacional, uma empresa alemã que à época se chamava de Mannesmann. Entrei como o equivalente a um engenheiro trainee, na época não existia isso, e fui passando por todos os cargos nessa empresa. Era um grupo formado por algumas corporações e eu entrei no ramo energético, na área de produção de energia renovável, no caso, na área de florestas e carvão para a produção de tubos sem costura. Essa empresa produzia, e produz até hoje, tubos petrolíferos, tubos para indústria automobilística sendo uma das maiores do mundo. Fiquei na área energética florestal, onde passei por várias funções até chegar ao cargo máximo, a direção-geral. Depois disso, fui para a holding da empresa e participei de vários movimentos. Na holding, como diretor da área de sustentabilidade, fui o único brasileiro a participar do comitê geral de sustentabilidade mundial do grupo. A empresa hoje se chama Vallourec Soluções Tubulares e atua na indústria petrolífera, automotiva e na construção civil. Eu aprendi muito. Em mais de trinta anos lá, tive a oportunidade de trabalhar com pessoas de altíssimo nível técnico (alemães, franceses e funcionários de outros países), pois a Vallourec está em muitos países do mundo. Aos 55 anos, eu me desliguei da empresa para procurar novos desafios e, durante o meu processo de mudança, fui desenvolver um projeto meu, particular, para dar mais atenção aos meus negócios, porque eu não queria terminar meu tempo profissional como alguém que passou por uma só instituição. Mesmo dando valor a isso, eu entendi que iria perder uma oportunidade de aprendizado na vida. Eu comecei a trabalhar na minha empresa, mas, muito rapidamente, eu fui convidado para trabalhar em um projeto fantástico do Dr. Norberto Odebrecht, no baixo sul da Bahia, para recuperar famílias que poderiam ter uma vida muito melhor com seus próprios negócios sustentáveis, saindo das grandes cidades e indo para o interior. Isso foi um momento importante. Era um projeto da Fundação Odebrecht e eu tive a oportunidade de assumir a direção de novos projetos da entidade, trabalhando direto com o Dr. Norberto Odebrecht, um homem fantástico, de referência. Eu já tinha visto alguns projetos caminhando na área da sustentabilidade no setor empresarial, mas uma visão tão forte para o lado humano era novo para mim. Com esse projeto, minha visão se solidificou e a passagem pela entidade foi um divisor de águas na minha vida pessoal e profissional. Depois da Fundação Odebrecht, eu fui implantar uma empresa energética no Mato Grosso do Sul. Estive lá por aproximadamente dois anos, depois recebi o convite de uma empresa familiar da área siderúrgica. Você pode reparar que são passagens rápidas que eu tive. Fui dando contribuição e aprendendo dentro do que eu esperava nesse meu novo tempo. Em seguida, eu voltei para Minas Gerais para cuidar da minha empresa, mas isso durou três ou quatro meses, porque fui chamado na mudança do governo da presidente Dilma Rousseff para o presidente Michel Temer. Nesse governo de coalizão, uma das metas do presidente era recuperar o moral e os princípios das estatais brasileiras, sobretudo retomar os resultados dessas estatais e dar destino a elas. Para isso, o presidente Temer resolveu chamar pessoas da área técnica para assumir a presidência e a diretoria das principais estatais. Eu nem pensava em área pública, tinha uma carreira consolidada na área privada. Isso foi entre maio e junho de 2016. Dez dias depois que o presidente Temer assumiu o governo pro[1]visório, antes mesmo de se consolidar definitivamente, eu fui convidado – e não vou deixar de dizer que até me assustei um pouco – para assumir a presidência da Infraero, a segunda maior empresa aeroportuária do mundo.
TW – Atualmente são destaques mundiais a sustentabilidade e os investimentos realizados por empresas no setor, e o senhor teve forte atuação no desenvolvimento de atividades sustentáveis em nível internacional e na área florestal. Em sua opinião, como é possível avaliar o cenário mundial e brasileiro? Acredita que as empresas avançaram?
ACO – Falando de uma forma geral, com a visão e experiência que eu pude acumular durante todos esses anos, eu enxergo um caminho muito positivo para as empresas tanto públicas como privadas, e também para o Brasil. Eu tenho uma visão otimista, que procura ser baseada em informações concretas. Procuro não ser influenciado por momentos e emoções, mas quando eu vejo tudo isso, no “fritar dos ovos”, como dizemos em Minas, eu vejo um futuro promissor para o Brasil. Mas não dá para ficar falando só de futuro, o presente precisa começar a partir de agora. Nesse meu tempo entre a área privada e estatal, eu enxerguei uma evolução que fez parte dessa mudança de status. A sociedade está muito mais exigente, as leis são bem mais claras e mais fortes, e as empresas, de uma forma geral, têm sido mais sustentáveis, seja por iniciativa da própria organização, seja porque o momento exige. Não há outra saída. Nós temos que considerar a sustentabilidade de uma forma geral, não basta mais pensar só no econômico. Temos que pensar no social e no ambiental também. Se um dos três pontos desse triângulo não estiver na condição adequada, derrubará os outros dois. É bem assim. O momento atual é bom. O que nós precisamos, enquanto brasileiros, é tomar a rédea disso, deixar um pouco as questões pessoais, os posicionamentos, tanto de extrema direita, de extrema esquerda ou de centro, e pensar só no Brasil, nos brasileiros e nos brasileirinhos que virão por aí.
TW – Em sua carreira atuou em grandes multinacionais na área da siderurgia em posição de destaque. Essas empresas se tornaram importantes na economia do Brasil e na geração de emprego. No seu ponto de vista, o que pode ser aproveitado em relação ao conceito de gestão? Qual o paralelo com a atualidade?
ACO – Meu maior aprendizado profissional foi obtido na Vallourec. O grande salto de conhecimento na carreira ocorreu quando, ainda como trainee, tive a oportunidade de implantar uma área de pesquisa e desenvolvimento na empresa florestal do grupo que estava iniciando. Ali eu comecei a ir atrás de tecnologia florestal no mundo inteiro. Eu perdi a conta de quantos países visitei, certamente, mais de 50. Estive na Austrália, no Japão, na França, na Alemanha, na Suécia, na Finlândia, nos Estados Unidos, na África do Sul, no Chile, enfim, onde havia tecnologia disponível para ser aplicada na área de floresta e gestão eu estava lá. A empresa me proporcionou essa oportunidade. Muito do que sou hoje é por causa dessa oportunidade. Esse é um conselho que sempre dou aos jovens: “aproveitem as oportunidades, elas irão contribuir com seu crescimento pessoal e profissional”. Assim eu cresci na empresa e na vida.
TW – Quando assumiu a Infraero, em 2016, já havia um plano de privatização dos aeroportos, e quando o senhor saiu (2018) existia um novo modelo dentro da estatal. O que pode ser destacado desse período como um ganho para o setor e para o país? Como foi presidir a empresa?
ACO – A Infraero era uma empresa grande, com cerca de 12 mil empregados, mais de sessenta aeroportos pelo país em todos os estados brasileiros, uma verdadeira máquina de muita responsabilidade e muito conhecimento embarcado. Eu pensei muito. Para falar a verdade, fiquei em torno de trinta dias para dar uma posição definitiva, um aceite. Eu analisei muito, não era minha área técnica específica, eu vinha da iniciativa privada e havia todo um peso sobre as estatais brasileiras naquele momento. Quando eu comentei com o pessoal do governo, especificamente com o ministro dos Transportes da época (Maurício Quintella Lessa), que eu tinha essa dúvida, ele me disse algo que foi decisivo para eu aceitar a posição: “Olha, o governo quer colocar pessoas que mudem o paradigma, que tenham segurança e conhecimento de gestão e que façam dessas estatais empresas novas, produtivas e mais competitivas”. Esse era o lado positivo. O lado negativo é que a empresa estava numa situação muito crítica. Eu achei que para o momento da minha vida seria um grande desafio. Passou pela minha cabeça o fato de ter estudado a vida inteira em escolas públicas; do primeiro grau até a universidade, eu só paguei estudo quando já era profissional de empresa multinacional, então resolvi dar essa contribuição ao país e aceitei o desafio. Assim, eu comecei a reestruturar a empresa. Era uma empresa inchada, com péssimos resultados. A princípio, tínhamos dúvidas se teríamos dinheiro para pagar o salário dos empregados. Iniciamos o trabalho de enxugar a máquina pública, reduzindo diretorias de 8 para 4, colocamos pessoas de mercado consideradas profissionais de alto nível nessas diretorias, cortamos muitas mordomias, reduzimos cargos comissionados. Já havia a Lei das Estatais (Lei n. 13.303/2016), o que me ajudou a tomar decisões relevantes. Assim, com muitas posições importantes, as pressões eram grandes em cada decisão. Claro que o apoio do presidente da República, que queria as estatais em um nível adequado e competitivo, me ajudou muito. Em pouco mais de dois anos, conseguimos virar a história da Infraero, dar o resultado operacional positivo, depois de muitos anos, e deixar um caixa acima de R$ 1,2 bilhão. Seria um grande passo na história aeroportuária do mundo se fosse implantado o projeto de abertura de capital, mas também ficamos prontos para fazer um grande projeto de concessão, que acabou sendo a opção do governo. Nós estudamos muito os aeroportos que haviam sido concedidos inicialmente. Nos cinco primeiros aeroportos concedidos no governo Dilma, a Infraero tinha 49% de participação, o que era totalmente inadequado na nossa visão. Conseguimos mudar e daí para frente a Infraero não tinha mais participação. Foi um grande projeto, um grande resultado, inclusive tive o prazer de ser considerado o Executivo Público da Década, título conferido pelo GCSM (Global Council of Sustainability & Marketing), de São Paulo, assim como a Infraero foi considerada a Empresa Pública da Década.
TW – Desde 2019, ocupou a posição de diretor-superintendente da São Paulo Aeroportos, com a missão de desestatização dos aeroportos do estado de São Paulo. Em 15 de julho 2021, sua missão foi bem-sucedida, com o leilão de 22 aeroportos regionais com investimento previsto de R$ 447 milhões nos trinta anos de concessão. Qual o impacto dessa ação para o setor?
ACO – Terminado esse meu tempo na Infraero, eu pensei: já dei minha contribuição na área pública, então voltarei para Minas para cuidar dos meus negócios, que estavam nas mãos dos meus filhos. O que aconteceu? Eu mal tinha saído da Infraero e recebi uma ligação do governador de São Paulo, João Doria, uma pessoa com quem eu tinha tido um ótimo contato e com quem tinha desenvolvido alguns projetos. Ele me convidou para fazer parte do novo governo, que começaria em 2019. Eu tinha e ainda tenho uma excelente impressão do governador, e não soube dizer não. Em São Paulo, vim participar do governo com grande acesso a ele pessoalmente, isso era algo importante para mim, pois acredito que para algumas missões serem concretizadas precisamos de alinhamento, e isso não é possível com muitos intermediários no processo. Ele me deu uma missão: cuidar dos aeroportos de São Paulo, algo bem diferente do que era a Infraero. Eram 22 aeroportos no estado, apenas seis ou sete tinham operações significativas e regulares, e os demais eram pequenos aeroportos de aviação executiva sem retorno comercial significativo até então. Também não estavam em boa situação. Assumimos o desafio. Enxugamos a máquina, melhoramos os aeroportos e fizemos um projeto de concessão dos 22. Muita gente, para não dizer a maioria das pessoas, até mesmo no governo, falava que era uma concessão que, ainda mais por causa da pandemia, ia “dar deserto”, ou seja, não ia aparecer ninguém. Mas nós trabalhamos o visual dos aeroportos, os contatos, sempre com a ajuda muito forte de algumas pessoas do governo, entre elas o próprio governador e o vice-governador, Rodrigo Garcia, e conseguimos. Em julho de 2021, concedemos todos os aeroportos à iniciativa privada. Além da concessão dos 22 aeroportos viabilizamos a internacionalização do aeroporto de São Carlos, e terminamos o processo para internacionalizar o aeroporto de Sorocaba, uma demanda do Estado e dessas regiões há muito tempo e que vai possibilitar novos negócios. Foi uma grande vitória do governo Doria, e eu tive a oportunidade de liderar esse processo.
TW – Diante da concretização dessa missão, e reconhecendo seu papel no desenvolvimento da aviação nacional, o que podemos esperar do ponto de vista de inovação e tecnologia para os próximos anos?
ACO – Os consórcios que arremataram os lotes precisam investir em todos os terminais. As concessões têm duração de trinta anos, período em que a iniciativa privada terá de investir na prestação dos serviços públicos de operação, manutenção, exploração e ampliação da infraestrutura aeroportuária dos estados. A previsão de investimento para todos os aeroportos administrados pelo Daesp é de R$ 447 milhões. Podemos esperar uma boa evolução no setor, haverá ampliação de serviços e opções aos passageiros. Segundo as Projeções de Demanda para os Aeroportos Brasileiros 2017-2037 do Ministério da Infraestrutura, é possível avaliar um cenário conservador e otimista para o país na aviação. A demanda por transporte aéreo no Brasil deve praticamente dobrar em vinte anos (crescimento acumulado de 99,3%). Com isso, a taxa de voos por habitante vai evoluir de 0,54 (2016) para 0,97 (2037). O índice é próximo do observado atualmente em países como Japão (0,93), Portugal (1,27) e França (0,98), mas ainda distante de países com desenvolvimento econômico elevado e área territorial similar ao Brasil, como Estados Unidos (2,55) e Austrália (3,01) (The World Bank Group, 2017). O transporte aéreo bem planejado é o caminho não apenas de mobilidade, mas principalmente para o desenvolvimento e a evolução de um país continental como o Brasil. Novos negócios são impulsionados no turismo, no serviço, no comércio e na indústria. O que devemos ter como realidade é o uso de tecnologias capazes de definir um modelo de experiência inovador para os passageiros. A inteligência artificial será cada vez mais frequente e deverá acelerar os processos com o crescente número de passageiros nas próximas décadas. Com reconhecimentos faciais e sensores de alto padrão, os aeroportos futuros serão mais práticos e rápidos. Esse processo é crescente, não tem volta. O setor vem sofrendo transformação e vai evoluir naturalmente. A segurança será o ponto de partida para sistemas cada vez mais inteligentes, e o usuário será cada vez mais digital e conectado ao mundo.
TW – Com sua experiência internacional, privada e pública, como é possível avaliar o momento das estatais brasileiras? O que deve ser alterado a curto, médio e longo prazo?
ACO – Eu tenho uma visão muito clara sobre isso. Se as estatais não tiverem ligação com educação, saúde e segurança, elas devem, o mais rápido possível, seguir o caminho de uma concessão ou de uma privatização. O governo precisa ser firme com suas agências reguladoras para garantir que o que foi combinado, escrito e contratado realmente seja cumprido. Com certeza, na atual conjuntura, eu vejo que a concessão ou a privatização é o caminho para todas as estatais no Brasil e no mundo inteiro. O meu sentimento é de que a privatização é um caminho sem volta e que trará grandes oportunidades para o futuro. É lógico que as privatizações devem ser bem construídas, alinhadas, com decisões de futuro bem planejadas e colocadas em contrato, com clareza nas questões sociais e trabalhistas. Essas questões precisam ser consideradas. Sou contra a tal estabilidade, a não ser em casos muito específicos, mas também sou contra a falta de atenção ao ser humano. As grandes empresas têm um foco muito grande também no seu potencial humano de desenvolvimento, e isso precisa ser revertido em benefícios para a sociedade e para o crescimento de todos.
TW – O senhor é o presidente do Fórum de Negócios e Investimentos Brasil-Mônaco (WOCA 2022), que acontecerá em Monte Carlo, Mônaco, de 20 a 24 de abril de 2022. Originalmente, o evento aconteceria em 2020, mas foi adiado em razão do cenário mundial de pandemia. Qual a importância deste evento nos negócios internacionais? O que se pode esperar para um evento desse porte em 2022?
ACO – É importante reconhecer o trabalho das lideranças à frente de empresas, sejam elas públicas, sejam privadas. A gestão de um negócio envolve muitas fases e decisões; quando reunimos esses líderes para um debate, é possível abrir novos caminhos e criar oportunidades e ideias que no dia a dia passam despercebidas. Ao fazer um debate fora do Brasil, a abrangência aumenta, pois a mente humana fica suscetível a novas experiências, e isso é o que gera conteúdo. Isso é válido do ponto de vista pessoal e profissional. Depois de dois anos de uma crise sanitária como a de hoje, trocar conhecimentos e romper barreiras fora do Brasil será um ganho para todos. Poderemos ver como cada um superou os momentos mais difíceis e assim criar novos negócios e possibilidades.
TW – Em sua vida pessoal o senhor levanta algumas bandeiras, entre elas a necessidade de mobilização para ações humanitárias. É possível conciliar as funções do cargo e a atividade humanitária? Como funciona seu dia a dia nessa questão?
ACO – Falando nessa questão humana, eu enxergo um pouco além dos muros da empresa ou da organização. Eu entendo que a situação que vivemos neste planeta, onde cerca de 1 bilhão de pessoas passam fome, a gente tem que começar a olhar para dentro de casa e sanear nossa própria casa, a começar por nossa atitude, “nosso espírito”, que costuma ser consumista. A primeira atitude normal de uma pessoa que melhora de vida acontece de forma não sustentável na própria formação e educação: ela começa a ficar perdulária, ou seja, gasta muito mais do que precisa. E o pior: gasta desperdiçando coisas, comida, energia e tudo mais. Essa forma de pensar do ser humano precisa ser combatida a partir do banco da escola de forma muito forte. É preciso parar com algumas abordagens que estão sendo feitas nas escolas, que podem até ter importância, e dar mais força nessa questão da sustentabilidade. A sustentabilidade foi muito falada e pouco abordada para as crianças de uma forma geral. O ataque ao sistema precisa ser implementado, a prática precisa ser ensinada. O mundo precisa disso. Não vou falar que fui influenciado nem que ninguém mudou minha cabeça. Nada disso. Eu fui afetado pelo mundo, pelo que eu vivi e pelas coisas que eu vi. Eu comecei a participar muito da questão sustentável com uma visão inicial para o ponto que eu chamo de miséria. Há uma grande diferença entre miséria e pobreza. A maior visão da miséria para mim é fácil de enxergar, é só caminhar pelas ruas dos grandes centros urbanos. Você vai enxergar pessoas jogadas nos cantos, dormindo, morrendo de fome e de frio. Não é possível que haja um coração que não se sensibilize com isso. Eu me sensibilizei e, de 13 a 14 anos para cá, comecei a participar de uma forma mais efetiva de movimentos para tentar mitigar essa situação. Alguém pode falar: você acha que sozinho vai mudar isso? Não, eu não vou mudar, mas eu posso ser um exemplo, e o exemplo é mais forte do que uma bomba de hidrogênio. Vai contaminar muita gente, inclusive os que gostam de você e aqueles que não gostam. Quem mais ganha com essa participação, no meu caso, por exemplo, sou eu mesmo. Eu me sinto gratificado por dar um tempo da minha vida para poder ajudar o próximo.
TW – Como um profissional que valoriza as pessoas e o meio ambiente, você encontrou dificuldades em conciliar esses valores e a carreira?
ACO – Essa minha participação não atrapalha em nada a minha atividade profissional do ponto de vista econômico. Muito pelo contrário, ela afeta muito positivamente minhas decisões, meus pensamentos e meus direcionamentos. De forma expressiva, eu tenho participado pessoalmente de dois movimentos importantes na minha opinião. Um deles em Minas Gerais, chamado AMR (Associação Mineira de Reabilitação), que cuida de crianças com doença mental. É uma associação formada por executivos, membros da sociedade que, de forma voluntária, criaram essa associação e vem trabalhando para trazer paz e dignidade para muitas famílias. E o outro, fortíssimo na minha vida, é o Movimento Aliança da Misericórdia, da Igreja Católica, que cuida diretamente das pessoas que vivem nas ruas. Com sede em São Paulo, é um movimento que está em várias cidades brasileiras e em mais de oito países. Essa participação tem sido boa para mim, mais que para os outros, ilumina minha vida e só traz grandes inputs na minha trajetória profissional. Creio que um gestor, um presidente de empresa ou um grande executivo tem que ser humano primeiro. Ele tem que ser, não tem que ter e, a partir daí, ele começa a tomar decisões melhores, que acabam por afetar a empresa, o planeta, a família dele. Tem sido fantástico para mim. Essa instituição tem um slogan ótimo que é “ninguém é tão pobre que não tenha algo para dar nem tão rico que não tenha nada a receber”. É a verdade. Essa é minha posição sobre sustentabilidade.
TW – O senhor construiu uma carreira sólida e acumulou grandes experiências. Que conselho deixa aos gestores públicos e privados? O que considera um legado?
ACO – Acho que o meu legado maior é o exemplo. Mesmo os erros acabam sendo positivos. Os meus erros, que sempre procurei deixar da forma mais transparente possível, são discutidos, por exemplo, dentro da minha casa com meus filhos. Não há segredos na minha casa. Todo mundo conhece muito bem as minhas lutas, as minhas vitórias, mas também conhece meus defeitos e minhas batalhas perdidas. Isso é legado. Talvez com os meus erros eles aprendam mais do que com os meus acertos. E isso eu procuro fazer também nas empresas por onde eu passo. O outro ponto importante é o exemplo na visão para o humano, a visão espiritualista, a visão que pensa no outro. Olhando para o outro, olhamos para nós mesmos, digo isso no sentido de mudar a vida e o planeta para melhor. Eu também considero um legado, num nível mais objetivo, as pessoas com quem trabalhei. Houve vários profissionais que passaram por mim, que começaram a trabalhar comigo, que eu selecionei lá no início da vida profissional deles, que foram sendo formados, e alguns até acompanharam minha vida muito de perto, voltaram a trabalhar comigo e passaram a ser pessoas de referência no mercado: diretores de nível mais alto em grandes empresas de siderurgia, de celulose, da aeroportuária. Enfim, esse legado é muito gostoso. Você vê pessoas que ajudou na construção profissional, muitas vezes, se tornarem melhores do que você. Eu já falei o que espero do futuro, de uma forma geral, mas espero ainda gastar parte do meu tempo no desenvolvimento do meu próprio conhecimento, evoluir mais, tanto do ponto de vista teórico, técnico, como do ponto de vista espiritual. Nessa direção, para isso, espero viajar um pouco, ainda participar do desenvolvimento e da melhoria de algumas empresas, inclusive a minha, e do futuro dos meus filhos e netos, e tentar ler mais, me aprofundar na leitura de alguns autores que eu sou realmente apaixonado, como Guimarães Rosa, por exemplo. Esse autor marca muito a minha vida. Cada vez que eu leio Guimarães Rosa é como se eu ganhasse um upgrade na minha escala de pensamento. Ele tem uma fala muito interessante, que, resumidamente, diz “o que a vida quer da gente é coragem”.
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