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João Farkas:“a Amazônia está drasticamente ameaçada”

08/03/2024 20:20
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Um dos fotógrafos mais respeitados do Brasil tem um vasto registro da situação conservacional de praticamente todo o território nacional. Num mundo em que o bem natural é violado em nome do aumento das ocupações populacionais e da economia, Farkas só comprova os fatos através de seus olhos e suas lentes

O que liga a Economy&Law à uma entrevista com um fotógrafo conservacional? Economia e lei são temas centrais desta publicação, que lança luz sobre fatos relevantes envolvendo os dois temas – neste caso, na baila da verdade, está o seguinte: a bem do avanço da economia e porque não dizer do dinheiro propriamente dito e, ainda, com vistas em crescimento das áreas ocupadas, as cenas da natureza foram e estão sendo violadas no país, leis foram e estão sendo desrespeitadas (e alteradas) para tais “progressos”. Pois bem, este é o link entre a Economy&Law e a entrevista com João Farkas, um dos mais respeitados do Brasil. Apaixonado por fotografia já na infância, puxado pelo pai, que também era fotógrafo e tinha uma loja para revelação de filmes, ele se apaixonou por contar histórias através de imagens da natureza e também de gente. Mas foi o olhar para o conservacionismo que o tornou um dos maiores bancos de imagens do Brasil de antes e do agora. Farkas fotografou o país praticamente do Oiapoque ao Chuí e consegue contar um pouco sobre o que os seus olhos viram ao longo dos últimos 40 anos nesta entrevista, que entre outras coisas, reforça o fato de que o Brasil é negligente com suas riquezas naturais. “A Amazônia está drasticamente ameaçada”, diz. Confira a entrevista.

TWE&L – Você sempre se interessou por fotografar a natureza? Como isso começou?

João Farkas – Sempre tive um interesse profundo pela natureza e no Brasil isso é explicável. Mas o meu trabalho inicial foi no fotojornalismo, muito mais ligado a fatos e pessoas. A natureza é um elemento muito importante da vida das pessoas e naturalmente comecei a fazer imagens de natureza, e isso se acelerou muito com o trabalho sobre o Pantanal e depois com o sertão, os campos de cima da serra, no Sul, e o litoral Norte, por exemplo.

Riacho explorado pelo garimpo Pará

TWE&L – Você fotografou todos os estados brasileiros?

JF – Fotografei praticamente todos os estados. Pensando agora acho que nunca fui a Tocantins.

TWE&L – Quais os lugares mais especiais que visitou e fotografou?

JF – Especiais existem centenas de lugares no Brasil. Seria ingenuidade escolher, mas falo um que me impactou muito recentemente, que são os Lençóis Maranhenses e o Delta do Parnaíba. Os Lençóis são uma formação que acho única no mundo, com dunas e lagoas de água cristalina, limpa, doce e de cores variadas. É uma coisa que não existe no mundo.

TWE&L – Desde quando fotografa praias e florestas?

JF – Desde o começo dos anos 1980.

Mineração de ouro no Mato Grosso, em Paconé

TWE&L – Que mudanças têm visto com o passar dos anos nesses lugares por onde passou? E o que pensa a respeito?

JF – É difícil julgar a civilização humana e sua relação com a natureza de maneira genérica, mas acho que existem países onde a relação com a natureza é mais cuidadosa. Mais valorizada. Por exemplo, o Japão, que tem um território muito pouco vasto, e que, no entanto, cuidam muito bem e tem um amor profundo pela natureza. O Brasil é o contrário, o Brasil é um país que tem excesso de território e que tem ocupado esse território da forma mais irresponsável, digamos assim, menos planejada. O Estado não pensa, as pessoas não pensam no futuro e nós estamos dilapidando, talvez, um dos maiores diamantes que o planeta tem, que é o nosso território.

Imagem mostra homem garimpeiro na Serra Pelada, Pará

TWE&L – Trancoso é um exemplo disso?

JF – O que aconteceu em Trancoso é parecido com o que ocorreu em todo o Brasi. Lugares muito bonitos, de natureza virgem, de natureza pacata, são descobertos e são bastante frágeis, e a chegada dos turistas ou da civilização altera totalmente aquele espaço, invade o que tinha de equilíbrio entre o homem e a natureza. Em Trancoso houve um fenômeno um pouquinho diferente. Trancoso acolheu, desde o princípio, pessoas com uma cabeça mais de longo prazo, mais preocupadas. E houve uma série de restrições que fizeram muito bem para a cidade. Então, o Quadrado foi preservado, a paisagem da costa do descobrimento é tombada e, por uma ironia, o fato dela ter sido tombada e preservada transformou ela em uma atração ainda maior, mais bonita e que se destaca. E isso atrai mais gente. Você tem um turismo ali muito grande, que a cidade dificilmente comporta no verão e, além disso, como você tem muito trabalho, seja por construção, seja por manutenção de casas, a cidade atraiu muitas pessoas para morar e ela não dá infraestrutura para essas pessoas, então você passa a ter todo tipo de problema de uma superpopulação. Saindo de um vilarejo que tinha umas 300 pessoas quando eu cheguei, e a maioria delas vivia na roça, e hoje tem 20 mil pessoas. Explodiu.

TWE&L – Você enxerga mudanças nos cenários por causa da questão climática?

JF – Acho que todo mundo está vendo o que tem acontecido com o aumento do nível dos oceanos, com o aumento da temperatura, o que até alguns anos atrás era facilmente negado, hoje já não se nega mais. No Pantanal, foi particularmente aterrorizante, porque quando eu comecei a fazer meu trabalho no Pantanal, há mais ou menos oito ou nove anos, o Pantanal tinha uma grande ameaça que era o assoreamento dos rios que continua até hoje, com o cedimento de terrenos que descem do planalto para o Pantanal e entopem seus rios. Mas no decorrer do meu trabalho, nos quatro, cinco anos em que trabalhei lá, o assoreamento deixou de ser a coisa mais urgente e perdeu esse posto para as queimadas. Com o aumento da temperatura, a diferença e a variação do ciclo de chuvas, que nos deu secas muito fortes, com muito calor, o Pantanal pegou fogo. Então, em 2019, 2020 até agora, o Pantanal está suscetível a enormes queimadas. Sempre ocorreram queimadas no Pantanal, aconteciam, mas não no nível que estão acontecendo agora, com essa intensidade, a expansão, a extensão, que agora passam a ser ventos que alteram já bastante o equilíbrio do Pantanal e, portanto, fugiram da tradição climática e ecológica da região.

TWE&L – O que é o Documenta Pantanal? Uma ONG?

JF – O que foi feito não é uma ONG, é uma marca que a gente chama de Documenta Pantanal, e esse selo, ele não é uma ONG, não tem diretoria, não tem burocracias, são pessoas reunidas com o interesse de fomentar conhecimento e divulgação de conhecimento e divulgação artística de coisas feitas no Pantanal. A gente seleciona as ideias que chegam, as propostas e corre atrás de financiamento e patrocínio. Já foram feitos vários livros e filmes, palestras e site. O Documenta Pantanal a gente considera como um projeto bem-sucedido porque é um viabilizador de projetos.

TWE&L – O que você pode dizer sobre a Amazônia, ainda no sentido de avaliar as mudanças visuais?

JF – Quando eu fui para a Amazônia, em meados de 1985, a Amazônia ainda era uma região bastante desconhecida e muito pouco ocupada. O que nós vimos lá era uma história de pioneiros pedidos na mata, que viviam em combate com a natureza ainda na tradição milenar, em que a natureza era um adversário a ser conquistado. Hoje, quase 30 anos depois, a Amazônia está drasticamente ameaçada. Nós já destruímos quase 25% dela, de sua cobertura vegetal. E destruir a cobertura vegetal da Amazônia é na verdade condená-la a um futuro desértico e improdutivo. Naquela época não existia consciência ecológica, as pessoas tinham orgulho, eram pioneiras, estavam ocupando a Amazônia para o Brasil. Hoje as pessoas sabem que derrubar floresta indiscriminadamente é um crime, que praticar certo tipo de exploração mineral sem os devidos cuidados é um crime ambiental, mas elas, hoje, são movidas pela cobiça, pela necessidade absoluta, então a Amazônia, que agora conhecemos, sabemos a importância que ela tem para o nosso regime de chuvas, para o equilíbrio climático do planeta, não há mais desculpa para tratar a Amazônia como a gente tratava antigamente.

TWE&L – Você viaja muito e já fez exposições fora. Como o Brasil é visto?

JF – É um pouco triste o que aconteceu com a percepção em relação ao Brasil. O Brasil era visto como uma espécie de paraíso na terra, um país onde havia uma natureza espetacular e um povo igualmente espetacular, tolerante, sem radicalismos, sem grandes problemas. E de alguns anos para cá, com a importância do assunto climático e ecológico, o Brasil que era uma esperança para o mundo, começou a ser visto e já chegou a ser visto como párea, como um país que não se importa com o nosso capital natural. Foi muito degradada a imagem do Brasil. Hoje, é visto como ameaça. Houve uma mudança radical, além disso vivemos um país que era unido e hoje temos questões ideológicas que nos divide seriamente.

Linha de fogo: Parque Estadual do Rio Negro, Mato Grosso do Sul

TWE&L – O Brasil erra na lei de zoneamento ainda. O que pensa sobre isso?

JF – Quando a gente fala de lei de zoneamento, a gente está falando das cidades. As cidades são muito mal planejadas, em parte pela nossa falta de vocação para o planejamento e, em parte, porque é um país que cresce rapidamente. Portanto, o Estado chega sempre depois. Mas a gente já devia ter aprendido isso, já podia planejar e ordenar o futuro das cidades de uma forma muito mais competente. Você, hoje, tem exemplos como São Paulo, Rio e outras cidades em que não se planejou e estão pagando um preço muito alto. Talvez pudesse pegar as novas fronteiras e estudar esses casos, que às vezes são pontuais e às vezes, macrorregiões, e estudar quais são as suas vocações e planejar para que se tenha uma vida agradável no futuro. E isso será de grande valia para a população e no país.

TWE&L – Sua melhor foto.

JF – Não dá para falar de melhor foto. Acho que a minha série, talvez, mais interessante seja, hoje, a série da Costa Norte, que é a região entre o Amapá e o Rio Grande do Norte. E se eu tivesse de destacar uma foto mais importante, é a do Pantanal queimando. Fotos de gente também seria difícil, porque fiz isso a vida toda. Tem a série dos ‘caretas’, dos ‘muquiranas’, que discute a questão do preconceito, da homossexualidade e agora tem uma série sobre a negritude, que considero muito importante.

TWE&L – Um fotógrafo.

JF – Um dos trabalhos que mais impressiona hoje no Brasil é o trabalho do fotógrafo Lalo de Almeida. É de uma agudeza profunda, são imagens extremamente inspiradas, ainda dentro da tradição mais pura do fotojornalismo.

 

Dunas e praia, Maranhão

TWE&L – Qual é o seu olhar sobre a degradação da natureza, como cidadão e fotógrafo?

JF – Acho que a gente não pode simplesmente ficar triste. Estou acabando de terminar um livro que reúne fotos desde o começo da carreira até hoje e que a gente não só lamenta os maus tratos a que a gente tem submetido a natureza, mas também celebra o que temos de maravilhoso ainda. Acho que a gente não pode cair na depressão porque senão vai tudo por água abaixo. Acho que temos de resistir, fazer o que for possível e temos de estar otimistas de que iremos conseguir. A raça humana não pode desaparecer.

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