O retorno das CVCs, VCs e do private equity
Investimentos têm alta de 23% no segundo trimestre, com R$ 6,47 bilhões em aportes
O segundo trimestre deste ano marcou uma virada de curva nos investimentos de longo prazo no Brasil após um primeiro trimestre de retração, segundo relatório da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP) e da TTR Data. Somados, os aportes de private equity (PE), venture capital (VC) e corporate venture capital (CVC) foram responsáveis por R$ 6,47 bilhões em investimentos no país de abril a junho. O montante é 23,2% superior ao registrado no primeiro trimestre, quando incertezas diante da política econômica, inflação ainda elevada e falta de sinalização sobre queda dos juros deixaram a indústria em compasso de espera. O maior crescimento percentual, tanto de rodadas como de valor investido, foi no CVC, investimento feito por empresas em startups que tenham sinergia com seus negócios. O segmento saiu de 11 rodadas no primeiro trimestre para 25 no segundo, salto de 127%. O valor aportado subiu 209%, de R$ 220 milhões para R$ 680 milhões. No private equity, forma de investimento em empresas já maduras, o valor das rodadas cresceu 28,5%, de R$ 3,5 bilhões para R$ 4,5 bilhões, apesar da redução de 23 para 16 operações entre o primeiro e o segundo trimestre. A única retração observada no período de abril e junho foi no venture capital, que teve 41 operações no período ante 75 no trimestre anterior, redução de 45%, e de R$ 1,53 bilhão para R$ 1,29 bilhão, valor 15,7% menor. Na comparação com o segundo trimestre de 2022, os investimentos em private equity tiveram crescimento de 7,1%, de R$ 4,2 bilhões para R$ 4,5 bilhões. Já VC viu o movimento inverso. A redução foi de 79%, de R$ 6,16 bilhões entre abril e junho do ano passado para R$ 1,29 bilhão no mesmo período deste ano. Em CVC, a queda foi de 36,4%, de R$ 1,07 bilhão para R$ 680 milhões. Somados, o valor dos investimentos foi de R$ 11,36 bilhões no segundo trimestre de 2022, retração de 43% na mesma base de comparação. Os dados do primeiro trimestre de 2023 foram revisados, já que algumas operações realizadas entre janeiro e março se tornaram públicas após a segunda semana de abril, quando o primeiro relatório do ano foi finalizado. Por isso, as atuais bases de comparação também estão atualizadas.
Retomada
Para Priscila Rodrigues, presidente da ABVCAP desde junho, os números do segundo trimestre mostram o início do que pode ser um ciclo de retomada dos investimentos do setor após um período de baixa. “O segundo trimestre já foi impactado por questões como inflação mais controlada, aprovação do arcabouço fiscal e indicativos de como seria a reforma tributária, tudo levando à uma provável redução da taxa de juros em breve. Isso faz com que os investidores locais e estrangeiros deixem um pouco o estágio do compasso de espera e passem a voltar. Mas ainda temos um longo caminho a ser percorrido, com desafios de regulação para a indústria e incertezas econômicas que permanecem em alguns setores”, afirma. Priscila diz ainda que, para a indústria de PE e VC, é importante avançar nas discussões sobre o tratamento tributário que, atualmente, diferencia os investidores dos Fundo de Investimento em Participação (FIPs) e os que compram ações na bolsa. “Há uma assimetria e já existem propostas, inclusive no Congresso, que, se aprovadas, certamente trarão mais segurança jurídica aos investidores e podem ampliar os aportes no país”, destacou a presidente. Uma das propostas é o Projeto de Lei 4188/2021, aprovado na Câmara em junho de 2022 e ainda sem apreciação pelo Senado.
Para Wagner Rodrigues, Diretor da TTR Data, “os dados que compilamos referentes ao segundo trimestre evidenciam que a indústria de PE, VC e CVC têm ciclos e que, em alguns momentos, as retrações nas operações logo dão espaço à volta dos negócios e dos investimentos”. Desde o último trimestre, a TTR Data passou a ser a responsável pela pesquisa trimestral de investimentos da ABVCAP.
Análises de cenário
Na avaliação de Camila Nasser, cofundadora e CEO do Kria, que é uma plataforma de investimentos em startups, o ano passado foi o primeiro sem uma oferta pública de ações na bolsa – o IPO – desde 1998. A seca de IPOs, que já leva dois anos, é consequência clara do momento econômico, mas que parece estar chegando ao fim, com o início do ciclo de cortes de juros e avanços em pautas econômicas e políticas que levaram a Fitch a elevar o rating do país. “Consolidou-se, então, um vibrante ecossistema de investimentos privados, impulsionado pelo venture capital e private equity. Esses investimentos são, em essência, negócios mais incertos – e que dependem menos do humor público. O risco dos investimentos é maior, assim como o seu upside de retorno, que historicamente supera os retornos do mercado público”. Ela lembra que nos EUA, onde o mercado público de capitais é bem mais desenvolvido e 60% dos americanos detêm ações (o maior nível desde 2008), os investimentos privados renderam três vezes mais do que a bolsa americana (S&P 500) nos últimos 20 anos. “Portanto, faz muito sentido para o investidor a construção de uma carteira diversificada, com alocação em empresas do mercado privado. E para além dos investimentos via fundos institucionais, que demandam aportes altos de investidores qualificados, recentes avanços regulatórios estão facilitando o acesso de investidores do varejo a essa classe de ativos”.
Para o estrategista-chefe da RB Investimentos, Gustavo Cruz, o mercado deve mudar o comportamento a partir de agora em função da trajetória de queda dos juros e a reforma tributária pode ser um alento, especialmente no caso dos investimentos estrangeiros. “Acredito que a gente teve no primeiro semestre, a maior parte do mercado financeiro como um todo de forma mais contraída. Taxas de juros muito elevadas deixam os planos de investimentos, expansão, diversificação mais cautelosos e postergados. A gente vê empresas independentemente do seu tamanho dando passos mais curtos. Agora, com a tendência de queda nos juros, isso deve ser revertido e devemos ver cada vez mais um movimento de maior aporte em empresas, o mercado de M&As deve ganhar tração novamente, as empresas que têm planos de expansão indo ao mercado captar seja via CRI, CRA, seja via debênture ou mesmo empréstimos bancários”.
Gabriel Bassotto, analita-chefe de ações do Simpla Club enxerga que esses investimentos privados, como private equity, VC e CVC têm potencial de crescimento, na medida em que os juros continuem reduzindo. “Quando estamos em um momento de juros baixos você tem abundância no crédito muito alta, então você ter crédito e ele sendo barato faz com que os investidores tenham uma alocação de recursos em projetos que não vão trazer rentabilidade alta ou até nenhuma. Considerando que estamos em um momento de ciclo de queda na taxa de juros, acredito que a gente possa ver mais pessoas querendo investir em CVC, VC e private equity justamente porque o custo de capital vai passar a ficar mais barato”.