PEC da Transição expõe presidente à críticas do mercado antes mesmo da posse. Especialistas analisam situação fiscal do país

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A última edição do ano de 2022, da Economy&Law, destaca o início de um novo governo, o de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito este ano em eleições legítimas, derrotando Jair Bolsonaro (PL). Com o mercado em polvorosa, Lula já conseguiu passar a PEC da Transição, com gastos públicos fora do teto, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e aguarda aprovação (até o fechamento desta edição o projeto ainda esperava pela apreciação do plenário da Câmara). Na conta total são R$ 168 bilhões adicionais ao teto, válidos para 2023 e 2024, não excepcionalizando os custos que o governo vai ter com o Auxílio Brasil, novamente batizado de Bolsa Família, além dos R$ 150 por criança, que o governo adicionou aos beneficiários com filhos de até 6 anos. Está nesse montante de R$ 168 bilhões, um espaço de R$ 23 bilhões previstos para investimentos fora do teto em caso de arrecadação de receitas extraordinárias. O relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, senador Alexandre Silveira (PSD-MG), disse que a decisão de turbinar o orçamento não implica em descontrole fiscal. “A economia brasileira tem sido capaz de absorver essa expansão de gastos sem gerar o círculo vicioso temido pelos economistas liberais descrito pela sequência aumento de desconfiança, seguido de redução de gastos privados, que reduz a renda, o que exige aumento de gastos públicos direcionados à seguridade social, o que gera novo aumento da desconfiança”, diz Silveira em relatório. Para ele, a ampliação do teto vai garantir que o país encontre mecanismos para o crescimento. “A flexibilização do teto de gastos, além de ser meritória, ao permitir a expansão de gastos sociais e de investimentos, permite que o Brasil volte a encontrar o caminho do crescimento econômico com justiça social. A PEC busca, tão somente, impedir que sejam encolhidos para satisfazer a regra do teto de gastos que, apesar de seus méritos, conforme afirmamos anteriormente, tornou-se anacrônica e um obstáculo para o crescimento da economia.” O relatório destaca também que a PEC vai contribuir para o aumento de investimento, o que ajuda na melhora da capacidade produtiva da economia e geração de emprego, sem pressão inflacionária – é o chamado círculo virtuoso.

Economistas avaliam que é excessivo o valor previsto na PEC da Transição e alardeiam para problemas que acompanham o desequilíbrio fiscal

O cenário econômico no Brasil deve ser turbulento, ao menos durante um período, sem considerar novos fatores externos – isso por razões óbvias – os gastos públicos estão acima do teto e o mercado não gosta nada disso. A matemática é simples, na avaliação de economistas e especialistas em mercado financeiro. “Os impactos potenciais se darão através de dois canais: a deterioração dos ativos financeiros, em função do aumento do endividamento público, com impacto sobre o prêmio de risco; e inflação elevada, em função da pressão que o gasto público exercerá sobre a demanda, exacerbando o desequilíbrio de mercado, avalia Helcio Takeda, sócio sênior managing director da Pezco Economics. Para ele, a consequência é que a taxa de juros vai se acomodar em patamar elevado, possivelmente acima da média dos últimos cinco anos, encarecendo custos de financiamento de longo prazo, o que em última instância prejudica a cadeia produtiva e setores como comércio, a própria construção civil, setor de automóveis etc. Margarida Gutierrez, economista e professora do Coppead UFRJ, diz que o momento é péssimo para gerar pressão inflacionária. “Em um momento em que a economia está crescendo, incluindo o ano da pandemia, emprego em mínima histórica. Os salários, pela pesquisa PNAD, os nominais em outubro, são mais altos que em outubro de 2021, gerando pressões inflacionárias. E essa PEC vem em um momento que a economia vinha crescendo acima do máximo. Óbvio que o teto vai piorar questões inflacionárias”. Para a professora, a PEC não quer só garantir o problema dos vulneráveis, mas todos de uma vez só, o que é um problema, pois o governo já tem a maior parte de seus gastos atrelada ao juro real. Ela lembra que é favorável ao apoio aos vulneráveis,

mas destaca que para garantir o Bolsa Família, o valor seria bem menor do que o total previsto na PEC. “Fazendo uma conta, seriam necessários R$ 70 bi para o Bolsa Família com os 150 mais para crianças de até seis anos. Se a PEC fosse só sobre os R$ 70 bi não estaria havendo derrubada no preço dos ativos que estamos vendo agora. Esperava-se iniciar uma discussão sobre gastos obrigatórios, desonerações, e não apenas encaixamento de mais coisas. Vai ser uma bomba no colo do Banco Central, que vai subir juro. A economia não vai conseguir sair desse patamar de juro alto, porque você tem um fiscal que está engolindo tudo, que vai ser protagonista dessa cena. Isso tira competitividade do país”, conclui.

Victor Inoue, head de produtos da WIT Invest diz que o mercado precifica a manutenção da Selic em 13,75%, mas o Banco Central já disse que a PEC da Transição está no radar do Comitê. “Campos Neto, presidente do Banco Central, explicou que seria possível novos aumentos na taxa de juros, caso a convergência da inflação para a meta não ocorra da forma planejada”. Para o Inoue, Fernando Haddad como ministro da Economia não vai influenciar a decisão da reunião de dezembro. “Porém, caso os eventos citados levem a uma deterioração nas expectativas do mercado, principalmente das projeções de inflação e Selic, é provável que isso seja mencionado na ata da reunião do Copom”. O especialista afirma ainda que o risco fiscal não está sob controle e que “a PEC apresentada pelo governo eleito levaria a um deficit de até 2,6% do PIB em 2023 e permaneceria em terreno deficitário pelo menos até 2026. Podemos entrar em um cenário de dívida insustentável levando a uma situação de dominância fiscal”. Lucas Sharau, especialista em mercado financeiro e assessor de investimentos na iHub Investimentos, concorda que o Banco Central está atento à política fiscal do governo. “O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), em sua última reunião de 2022, decidiu pela manutenção da taxa básica de juros no Brasil, a 13,75% ao ano. Desde setembro, o órgão financeiro já havia sinalizado a estratégia de manutenção de juros estáveis por tempo prolongado.  Porém, o Banco Central deverá ficar atento à política fiscal do novo governo. O teto de gastos foi criado para evitar o crescimento da dívida pública, proibindo que os gastos do governo aumentem muito de um ano para outro, evitando assim descontrole da inflação”, disse.

De acordo com dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), a dívida pública mobiliária federal chegou a R$ 5,53 trilhões em outubro. Com os juros nominais, as despesas da dívida do governo custaram em torno de R$ 500 bilhões nos últimos 12 meses, encerrados em maio, segundo o Banco Central. Para os próximos dois anos não haverá afago nas contas públicas, portanto, pelo que prevê a PEC da Transição, o que explica o alarde dos analistas. “O Brasil está vivendo um momento de persistência de riscos fiscais, isso contribui para que o mercado tenha um comportamento mais cauteloso. Esse cenário se confirma na terceira manutenção consecutiva da Selic em 13,75% e consequentemente na mensagem hawkish [política hawkish é usada na economia para dizer que o cenário é de pressão inflacionária e possível manutenção de juros altos] passada pelo Copom, acerca de uma elevação na incerteza em torno do futuro das contas públicas e sinalizar que vai acompanhar com atenção especial os desenvolvimentos futuros da política fiscal”, afirmou Fernanda Bandeira, especialista em Renda Fixa na Blue3. Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, avalia que falta ao governo o debate sobre enxugar os gastos. E prevalece a matemática de pressão inflacionária e juros altos, o que é negativo para o país no geral e para a Bolsa de Valores. “Não há grandes discussões sobre cortes de gastos, desonerações, subsídios – tudo isso parece ainda bem distante da realidade. Por isso acho que o saldo final não ficou tão bom assim em termos do que tínhamos na mesa de negociações.

Teve a questão de você colocar já espaço para gastar com orçamento secreto esse ano, isso a gente vê que vai continuar forte nos próximos anos do governo, a questão do prazo de dois anos tudo bem, foi menor que o de quatro, que estava sendo discutido. Mas antes das eleições, o que estava sendo discutido era que seria somente para o ano que vem, e que no ano que vem é que seria discutido. No saldo final é negativo. A Bolsa vai sofrer, porque com juros mais altos a concorrência é muito grande na renda fixa. A gente vê uma demanda dos nossos clientes com renda fixa muito maior do que o ano passado”, disse. João Amato Neto, presidente da Diretoria Executiva da Fundação Vanzolini e pesquisador na área de cadeia produtiva, inovação e pequenas e médias empresas (PMEs), observa que não se pode olhar somente para as questões fiscais, mas para a alavanca possível nesse momento, visando o aumento da produtividade. “Alguns dos maiores desafios da economia brasileira no futuro próximo, além das questões fiscais, monetárias e de crescimento do PIB, passam pala necessidade de maior consideração com os requisitos do desenvolvimento sustentável”. O especialista ainda comenta em relação ao desafio à redução das desigualdades. “As ações dos agentes econômicos deverão privilegiar a busca permanente por ações que visem a diminuição das enormes desigualdades sociais. Em especial, a concepção e o desenvolvimento de produtos e processos produtivos que, além de viáveis do ponto de vista técnico-econômico, atendam às novas exigências sociais e ambientais, tornam-se cada vez mais urgentes”, concluiu.