Mariana Tavares Antunes: Bilhões de razões para escolher a mediação
O Brasil tem mais de 70 milhões de processos na Justiça e não é novidade que o Poder Judiciário brasileiro é moroso. Portanto, iniciar um processo significa não saber, ao certo, quando ele termina. Para os que desejam resolver desentendimentos fora do âmbito do Judiciário, a mediação tem sido um excelente mecanismo. E o Brasil avança ano a ano com esse instrumento de solução consensual de conflitos. Somente na Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem do Centro e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp/Fiesp), em 2021, o volume de mediações foi sete vezes maior do que o registrado em 2020, totalizando 42 negociações contra seis em 2020.
O valor médio dos objetos discutidos nas mediações, em 2021, foi de R$ 6.361.682,89, e o maior montante foi de R$ 150 milhões. Já a menor quantia, R$ 7.683,46. Distratos e revisões contratuais formam maioria entre os casos resolvidos por meio de mediadores. E, 2021, foi o primeiro ano em que as mediações superaram as arbitragens (desde o início da série histórica, em 1998) – 42 contra 35, nesta câmara. Os dados mostram que a mediação tem ganhado maior importância no Brasil.
Arbitragem de bilhões
A arbitragem, que também é uma forma de resolução extrajudicial de litígios, é outro modelo de sucesso. A diferença principal em relação à mediação é que, na arbitragem, quando o processo chega ao seu fim, há efetivamente uma decisão impositiva para as partes. Muitas vezes, no entanto, as partes começam o processo arbitral e chegam a um acordo. Um levantamento de dados, coletados em oito câmaras de arbitragem brasileiras, pela advogada Selma Lemes, mostra que, no intervalo entre 2010 e 2016, o total de valores envolvidos em arbitragens, superou a marca de R$ 62 bilhões. Já o estudo mais recente, publicado em 2020, revela que, no ano de 2018, o montante foi de R$ 81.433.377.482,02, e, em 2019, R$ 60,91 bilhões. Somente na FGV Câmara de Mediação e Arbitragem, os totais dos litígios somaram R$ 2.193.367.385,57 e mais de R$ 400 milhões em 2021, segundo informou a assessoria de imprensa da instituição.
Em entrevista à Economy & Law, a advogada Mariana Tavares Antunes, sócia da Wald Antunes, Vita e Blattner Advogados, observa o avanço da mediação no Brasil, destacando a importância do instituto como forma de evitar ou resolver litígios, judiciais ou arbitrais.
The Winners Economy & Law – Diante do tempo envolvido nos processos judiciais e o custo deles, a mediação tem sido apontada como uma prática saudável na resolução de conflitos. Como a senhora vê essa possibilidade aplicada de forma mais recorrente no Brasil e como isso favorece a evolução do Judiciário?
Mariana Tavares Antunes – Vejo com muito otimismo a crescente utilização da mediação como forma de solução de conflitos. Nos últimos tempos, criou-se um verdadeiro abismo entre o tempo de solução dos conflitos e a necessidade e expectativa das partes envolvidas. No Judiciário brasileiro, são cerca de 75 milhões de processos em tramitação. Muito embora a tecnologia tenha contribuído muito para a celeridade das decisões, é fato que, com esses números, ainda estamos longe de uma prestação jurisdicional rápida. A arbitragem, há muitos anos, surgiu como uma alternativa de solução para esse problema, mas, com o aumento do volume de casos e os custos envolvidos, é um mecanismo de alcance mais restrito e que também não tem conseguido atender às expectativas concernentes ao tempo de resolução.
Nesse cenário, desde 2015, com a promulgação da Lei 13.140, ganhou relevância a mediação, como instrumento facilitador de acordos, aproximando as partes para permitir a construção de soluções inteligentes, criativas e, sobretudo, mais eficientes. A ideia é que a ferramenta da mediação sirva como uma espécie de filtro, evitando litígios ou permitindo o encerramento daqueles já em curso. Reduzindo-se o volume de processos, a consequência natural será uma justiça mais rápida e aderente às necessidades e expectativas das partes.
TWE&L – Como funciona o processo de mediação no Brasil, quais os pontos positivos e quem pode ser um mediador?
MTA – O processo de mediação pode ser judicial, ou seja, realizado no bojo de um processo já em curso, por determinação do juiz e com a concordância das partes, ou extrajudicial, geralmente perante uma câmara especializada. Em ambas, o mediador é uma terceira pessoa, neutra e imparcial. A diferença é que, na mediação judicial, há uma qualificação mínima do mediador exigida por lei.
Em qualquer uma das modalidades, o objetivo final é o de alcançar um acordo e o mediador tem o papel de facilitar a comunicação das partes para esse fim. As negociações nem sempre são fáceis. E isso por uma razão simples: envolvem relações humanas, muito mais complexas do que a mera aplicação do Direito ao fato concreto. O mediador, portanto, primordialmente, deve ser hábil para destrinchar tais relações. A solução jurídica, por sua vez, cabe aos advogados, que são essenciais no processo, de forma a garantir que a solução alcançada esteja de acordo com a ordem jurídica.
A maior vantagem da mediação, na minha visão, é a de proporcionar às partes uma comunicação objetiva e clara, passível de ser alcançada com o auxílio de um profissional competente e experiente. É muito comum que as disputas carreguem elementos personalíssimos, nem sempre captados no ambiente do processo, mais formal e com a comunicação concentrada em peças escritas ou em poucas oportunidades de audiência. A mediação é um processo flexível e que pode ser adaptado às características das partes, potencializando as chances de uma solução consensual eficiente para todas as partes envolvidas.
TWE&L – Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe uma relevante novidade: em seu discurso de abertura, o ministro presidente Luiz Fux, anunciou que seria efetivado o núcleo de conciliação e mediação, instaurado no âmbito daquela corte em agosto de 2020. Quais os avanços que essa resolução representa?
MTA – O Centro de Mediação e Conciliação (CMC) foi criado em 2020, com o principal objetivo de institucionalizar a prática da mediação e da conciliação no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Os próprios ministros podem encaminhar os processos que considerem passíveis de mediação ou conciliação ao Centro. Em seu primeiro ano, mais de dez casos foram submetidos ao CMC, sendo que metade resultou em composição amigável, total ou parcial. Ao longo da pandemia de covid-19, por exemplo, o CMC foi acionado em demanda entre a União Federal e o estado da Bahia, que alegava uma defasagem na remessa de mais de um milhão de doses de vacinas. A mediação resultou em um acordo que resolveu o problema. Enfim, os benefícios de uma solução consensual são inúmeros, razão pela qual a iniciativa do STF, órgão máximo do Poder Judiciário, é bastante louvável, eis que solidifica e consolida uma prática que já vinha sendo aplicada pelos seus membros individualmente e dá o exemplo para que isso se reflita nos tribunais de todo o país.
TWE&L – Falando sobre o tema, especificamente no ambiente empresarial, sabemos que existem ainda restrições no uso da mediação pelas empresas. Para muitos a ferramenta é vista como uma “perda de tempo”. Como a senhora observa essa questão?
MTA – A mediação é uma ferramenta ainda pouco difundida no Brasil como forma de resolução de conflitos empresariais. Acredito, contudo, que já há um processo de mudança em curso. É a experiência que tem revelado a efetividade da solução consensual e a importância da mediação para atingir esse objetivo. Há casos enormes resolvidos com sucesso. Eu mesma já tive a oportunidade de participar de alguns, como advogada de uma das partes. Cito, por exemplo, no setor elétrico, o acordo entre Eletropaulo e Eletrobras, que resolveu aspectos importantes de uma pendência judicial que se arrastava há décadas. Em resumo, Eletrobras cobrava um financiamento concedido à Eletropaulo antes da cisão e privatização da empresa. Eletropaulo e EPTE (hoje CTEEP), empresas resultantes da cisão, discutiam sobre o valor e a responsabilidade pela dívida e tal pendência atrapalhava o recebimento do crédito pela Eletrobras. Com o acordo, a Eletrobras concedeu um desconto e conseguiu receber, enquanto as empresas seguiram a discussão sobre a responsabilidade em ação independente. Eletropaulo, por sua vez, viabilizou a alienação de seu controle, com a delimitação do valor da contingência. E, por fim, tanto Eletropaulo como CTEEP se beneficiaram com a redução do valor do risco envolvido na ação, por força do desconto. Na minha opinião, portanto, a mediação empresarial é uma excelente ferramenta. Mesmo nos casos em que não se chega a um acordo, há ganhos, pois as partes seguem a briga com um maior conhecimento da causa e uma melhor visão dos pontos realmente controvertidos.
TWE&L – Quando falamos de empresas: o que é passível de mediação? Como funciona? E o que é necessário para dar certo?
MTA – Só podem ser objeto de mediação, os conflitos que versem sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação. Os acordos envolvendo direitos indisponíveis, mas transigíveis, devem ser homologados em juízo, exigida a participação do Ministério Público. Nessa última categoria, figuram o direito de imagem, de disposição de tecidos, órgãos e partes do corpo humano para transplantes, de alimentos e o crédito tributário. A receita do sucesso, na mediação empresarial, é a escolha do mediador e do advogado. É necessário um mediador habilidoso, preparado e com personalidade aderente às características dos representantes das partes. O advogado, por sua vez, também é peça chave. Além de essencial para que o cliente compreenda as nuances jurídicas do litígio e da solução negociada, deve ser agregador. Na minha experiência, a postura do advogado é fundamental para a construção da solução. Os profissionais com perfil excessivamente litigioso nem sempre funcionam, já que muitas vezes acirram os ânimos das partes, dificultando o que chamamos de escuta ativa, necessária para a formação de um consenso.
A mediação no Brasil ainda está se desenvolvendo, sobretudo entre empresas. A mudança é cultural e, portanto, leva tempo. Foi assim com a arbitragem, cuja lei é de 1996 e demorou mais de uma década até se tornar uma prática comum e amplamente aceita. A Lei de Mediação é de 2015, então é natural que a sua utilização esteja em processo de maturação e crescimento.
TWE&L – Atualmente as empresas têm políticas de governança e compliance bem implantadas. Como a mediação se integra ao processo?
MTA – A cultura da mediação precisa ser difundida nas empresas e a governança pode ser um excelente instrumento para esse objetivo. É preciso trabalhar, fortemente, o conceito de que um acordo é quase sempre melhor do que a briga. Seminários, congressos e políticas públicas de incentivo (como a semana nacional de conciliação, promovida pelo CNJ) ajudam a fortalecer o instituto. Do ponto de vista empresarial, as políticas de governança podem ajudar a institucionalizar a utilização da mediação como instrumento de solução de conflitos, buscando desincentivar os litígios. Os custos de um litígio, no Brasil, são altíssimos, sobretudo por conta dos inúmeros riscos envolvidos, como, por exemplo, o pagamento dos juros legais aplicáveis às condenações, fixados em 1% ao mês e incorridos durante todo o prazo do litígio, geralmente longo.
TWE&L – Pensando em coletividade, nas disputas em massa, as mediações podem ser úteis? De que forma?
MTA – A mediação é peça chave na resolução de disputas em massa. Cito dois exemplos que confirmam minha afirmação. O primeiro é o caso dos planos econômicos, uma das maiores disputas da história brasileira, que durante décadas inundou o Judiciário com milhares de ações movidas por poupadores contra o sistema bancário. Nosso escritório representou a Confederação Brasileira do Sistema Financeiro e a mediação resultou no primeiro acordo homologado pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito de uma ação de controle de constitucionalidade. O segundo caso envolve uma ação individual que reunia mais de dois mil autores, de uma mesma classe. A demanda, ajuizada há mais de 20 anos, ainda aguardava sentença de primeiro grau. A empresa ré, após sua privatização, organizou um imenso programa de composição, capitaneado por uma entidade independente, que resultou em inúmeros acordos homologados em juízo e permitiu, desde logo, a redução de uma significativa contingência precificada pelo mercado. Também nos processos de recuperação judicial, a mediação tem funcionado de maneira bastante eficiente: (i) nos incidentes de verificação de crédito, para a definição do valor devido ao credor; (ii) na negociação das cláusulas e condições do Plano de Recuperação Judicial, com o objetivo de obter a sua aprovação pelos credores; (iii) na resolução de disputas societárias; e (iv) nas questões relacionadas à forma de pagamento de créditos extraconcursais. O procedimento de mediação poderá ocorrer antes da instauração da recuperação judicial ou no seu curso. A mediação antecedente é uma inovação da Lei 14.112/2021, que prevê diversas hipóteses, inclusive a de negociação de dívidas e respectivas formas de pagamento entre a empresa em dificuldade e seus credores. Essa última permite a suspensão das execuções em curso, dando um respiro à sociedade em dificuldades enquanto negocia com seus credores. Caso seja celebrado o acordo, caberá ao juízo recuperacional, no exercício do controle de legalidade, homologar os seus termos. Casos como a recuperação judicial do Grupo Oi são exemplos de sucesso de aplicação da mediação como resolução de conflitos. Neste caso, foram instaurados três grandes procedimentos: (i) mediação com pequenos credores (até R$ 50 mil), que resultou na celebração de 36 mil acordos celebrados no Brasil e em Portugal; (ii) mediação com créditos ilíquidos para a definição dos valores em disputa, que foi encerrada com 7.907 acordos assinados; e (iii) mediação dos incidentes processuais (ainda em curso), visando a celeridade da definição do valor do crédito para célere encerramento dos incidentes habilitação e impugnações judiciais, já que conta com mais de 18 mil acordos assinados. Ao longo da recuperação judicial do Grupo Oi, também ocorreram mediações estratégicas, como a tentativa de definição dos créditos da agência reguladora (Anatel), a negociação de aspectos do plano de recuperação, como governança corporativa e o pagamento de credores financeiros, além da resolução de disputas societárias.
TWE&L – Atualmente como é a formação para profissionais que queiram se especializar nessa área? O que eles podem esperar do segmento de atuação?
MTA – O mediador não precisa ser advogado, mas é certo que os advogados são, muitas vezes, mediadores, formal ou informalmente. Daí a necessidade de uma formação adequada, já que as funções são completamente distintas. O advogado, por natureza, tem a função de orientação e defesa dos interesses de seu cliente. Já o mediador atua de forma diferente. Não representa interesses de qualquer das partes, funcionando como mero facilitador do diálogo entre elas. Não assume posições, já que deve ser neutro e imparcial. Atua, na verdade, como um harmonizador, permitindo que as próprias partes construam um caminho comum. As técnicas de mediação, hoje, não são mais privilégio dos mais talentosos. Hoje é possível aprendê-las e, quanto mais cedo o treinamento, melhor o domínio.
Cabe aos escritórios, assim, incentivar os seus profissionais a investir na necessária formação e aperfeiçoamento da prática, visando o exercício de um duplo papel: o de mediadores e o de advogados em mediação. Sem o preparo adequado, nos deparamos comumente com mediadores que assumem a função de advogados e de advogados que, desavisadamente, acabam por atrapalhar o trabalho do mediador. Nenhum dos dois funciona de forma eficiente. Enfim, vivemos uma época de reflexão e de profundas mudanças na forma de vida. Momento ideal, portanto, para uma guinada na cultura brasileira do litígio. Aqueles profissionais já preparados para esse novo ambiente com certeza sairão na frente, oferecendo a seus clientes um serviço verdadeiramente diferenciado e aderente às demandas e necessidades do mundo atual.
TWE&L – Como será o futuro da mediação no Brasil?
MTA – Eu acredito fortemente que a mediação se consolidará, no Brasil, como ferramenta fundamental na solução de conflitos públicos e privados, em linha com o que já acontece em outros países. Trata-se de um ciclo virtuoso: a capacitação crescente de profissionais da área gera experiências positivas que estimulam a utilização do instituto; o aumento do número de acordos contribui para a redução do acervo de processos, agilizando a prestação jurisdicional e tornando a justiça mais efetiva.
Confira essa entrevista na íntegra na banca digital.
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